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Conservadorismo ameaça conquistas da comunidade LGBT

Nos últimos anos, graças à ação de mentes progressistas, principalmente no judiciário, a comunidade formada por lésbicas, gays, bissexuais e transexuais alcançaram direitos outrora impensáveis, como a possibilidade de oficializar legalmente união estável e o casamento civil, além da adoção por pais homoafetivos.

Contudo, nos últimos dois anos esse cenário mudou drasticamente e hoje essa população se depara com uma crescente onda de conservadorismo, que tem preocupado entidades e ativistas em todo o mundo.

A eleição de governantes reacionários em países importantes, como a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, causou uma sensação de preocupação entre militantes LGBT.

                                                                 

Desde que assumiu a presidência, o republicano agiu para reduzir os direitos desse grupo em território norte-americano. Recentemente, o magnata determinou que questões sobre orientação sexual e identidade de gênero sejam retiradas do senso do país, importante para determinação de políticas públicas. Ainda, Trump exonerou Eric Fanning, primeiro comandante assumidamente gay a comandar um cargo importante no exército americano, nomeando um senador considerado homofóbico para ocupar o cargo.

Na Chechênia, dezenas de homens estão sendo presos e, inclusive mortos, por suspeitas de serem homossexuais. A Chechênia é uma região localizada nos montanhas do Cáucaso, sendo uma das repúblicas da Federação Russa, comandada por Ramzan Kadyrov, que nega as denúncias de manter um campo de concentração para homossexuais, alegando que "não existem gays" em território checheno.

Do mesmo modo na Rússia, Vladimir Putin continua mantendo uma política dura de restrição à comunidade LGBT. Recentemente, autoridades russas queriam impedir a estreia do live-action da produção da Disney "A Bela e a Fera" por causa de um personagem gay.

Demonstrações públicas de carinho entre pessoas do mesmo sexo são proibidas pelo Kremlin.

Em maio, dois homens foram punidos com dezenas de chibatadas públicas na Indonésia por manterem relações sexuais entre si. País com maior população muçulmana do mundo, a Indonésia também detém o título de ser uma das nações mais intolerantes à diversidade sexual do globo.

Embora a homossexualidade não seja considerada crime no país asiático, pelo menos 141 homens foram presos este ano suspeitos de terem participado de uma festa gay em uma sauna. Entre os detidos, pelo menos dez devem ser condenados a até 10 anos de prisão.

                                                           

Em 2016 um refugiado sírio de 23 anos, homossexual, foi encontrado morto próximo de sua residência, em Istambul, capital da Turquia. Muhammed Wisam Sankari foi decapitado, supostamente, por muçulmanos radicais e conservadores.

Também em 2016, um atentado na boate gay Pulse, em Orlando, nos Estados Unidos, deixou pelo menos 50 pessoas mortas. 

Em 2015, o vídeo de dois homens homossexuais sendo jogados de cima de um prédio por membros do grupo terrorista Estado Islâmico chocou o mundo.

BRASIL

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Cresce a cada ano o número de mortes de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais motivados pelo ódio e pela intolerânciaO país é o que mais mata travestis e transexuais em todo o globo.

De acordo com relatório apresentado pelo Grupo Gay da Bahia no último dia 17 de maio, de janeiro a maio de 2017 foram computadas 117 mortes de LGBTs.

                                                                       

Para Genilson Coutinho, membro honorário do GGB, a falta de uma lei que tipifique a LGBTfobia como crime está intrinsecamente ligada à violência contra esses pessoas no país.

Em entrevista ao A Capa, o advogado Paulo iotti, Diretor-Presidente do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, acredita que “há um inconsciente coletivo que, sob o pretexto de que ‘a homofobia não é crime’, acha que haveria um ‘direito’ a ofender, discriminar e até mesmo agredir ou matar pessoas LGBTI por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero”.

                                        

De acordo com o advogado, é necessário equiparar os crimes motivados pela intolerância à sexualidade de outrem ao racismo: “A Lei de Racismo, de 1989, ajudou a calar os racistas. Claro que ainda há muitas manifestações de racismo no país, mas pseudo “piadas” claramente ofensivas e discursos de ódio em geral diminuíram drasticamente com ela”, afirma.

Da mesma forma, a criminalização da homotransfobia ajudaria a calar discursos de ódio homotransfóbicos. Por outro lado, o Código Penal não é suficiente. Discursos de ódio e discriminações em geral não configuram crime. Quem criminaliza isso é a Lei de Racismo (o crime de constrangimento ilegal exige violência ou grave ameaça, não é qualquer discriminação que é crime). Por fim, como a Lei de Racismo criminaliza as discriminações por cor, etnia, procedência nacional e religião, ela protege os respectivos grupos historicamente discriminados (negros, grupos étnicos em geral, estrangeiros, pessoas de outros estados e religiosos). Então, não proteger da mesma forma a população LGBTI acaba gerando hierarquização de opressões, ou seja, dá a entender que aquelas opressões, criminalizadas de forma específica, seriam “mais graves” que a lesbofobia, gayfobia, bifobia e transfobia (a homotransfobia). E isso é inaceitável”, completa.

Qualquer esperança de uma lei que criminalize a LGBTfobia esbarra no moralismo da quinquagésima quinta legislatura do Congresso Nacional, eleita pelo voto popular em 2014, considerada a mais fundamentalista em anos, marcada, principalmente, pelo alto número de deputados evangélicos eleitos.

Vivemos tristes tempos na seara política. Uma maioria reacionária não só no Congresso Nacional, mas – até mais – nas Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores municipais”, diz iotti, que é Doutor em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. “Parlamentares que não querem garantir nenhum direito a minorias e grupos vulneráveis, o que piora no caso da Bancada Fundamentalista, que quer impor suas crenças religiosas a todo o país”, afirma.

Segundo Paulo, “sem uma reforma política que proíba, pelo menos coligações entre partidos de ideologias (ou, no mínimo, posturas) completamente distintas, não há perspectivas de melhora e tudo tende a piorar”.

Ainda de acordo o advogado, essa crise política é um fenômeno mundial, que ganha força na frustração das populações com a incapacidade dos governos de enfrentarem os grandes grupos econômicos e garantir o bem-estar-social, abrindo assim o caminho para que governos ultranacionalistas conservadores cheguem ao poder através do voto popular, como Donald Trump. Ou mesmo tenham uma forte legião de seguidores, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), desafeto declarado das minorias sociais no Brasil.

Para o militante LGBT e homossexual assumido Matheus Emílio, de 21 anos, a presença de uma bancada fundamentalista no Congresso colaca em questionamento os direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, principalmente a garantia de uma Estado Laico.

Apesar dos avanços em determinadas pautas dos direitos da população LGBT, ainda é alarmante o fato de sermos o país que mais mata gays, bissexuais, travestis e transexuais no mundo”, afirma o militante. “Tais crimes, motivados pelo ódio, refletem uma sociedade conservadora que com frequência, engatinha quando se trata de Direitos Humanos, e se reflete cada vez mais nos poderes da República, colocando em cheque a garantia dos direitos assegurados pela Constituição Cidadã, de 1988”, continua. 

Iotti afirma que “no caso do Brasil, o Judiciário tem sido a única esperança real", e, embora isso seja positivo, seria melhor para a democracia que tais leis partissem direto do Legislativo que, afinal, é a representação nacional da decisão majoritária do povo: “Falta os Legislativo Federal (Congresso), Estaduais (Assembleias) e Municipais (Câmaras) se conscientizarem disso. Até lá, continuaremos dependendo de uma composição progressista do Supremo Tribunal Federal, principalmente, mas também de juízes e tribunais em geral também progressistas, para termos alguma dignidade respeitada.

***Reportagem especial produzida pelo jornalista Tiago Minervino para o A Capa

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