Estreou na última sexta-feira (8), na TV Globo, a série "Macho Man", que antes de ir ao ar já causava polêmica por girar em torno de um gay que se torna hétero após levar uma sapatada na cabeça. Muita gente questionou se seria mais uma série para denegrir homossexuais. Mas não é bem assim.
Escrita por Fernanda Young e Alexandre Machado ("Os Normais"), a série retrata a vida de Nelson (Jorge Fernando), gay quarentão, fervido e que ganha a vida trabalhando como cabeleireiro. Sua melhor amiga é Valéria (Marisa Orth), uma ex-gorda que quer voltar a ter uma vida social. O primeiro capítulo tem início com dois grandes clichês: Nelson aparece dançando e interpretando a música "I’m too sexy", do extinto grupo Right Said Fred, que era formado por barbies e que fez sucesso nos início dos anos 90.
Após a cena, Nelson faz uma coreografia tresloucada, o que leva sua amiga a perguntar por que os gays gostam tanto de viver. Nelson responde, dizendo que os gays querem "se divertir", rebatendo a pergunta: "E vocês [héteros], o que querem?". Valéria diz que procura pelo "amor" e Nelson completa categórico: "É aí que está o erro: quer amor, compra um cachorro".
Este diálogo revela boa parte do tom que as conversas seguintes terão: todas construídas em cima de velhos estereótipos: gays são fervidos, não querem amor, e héteros são infelizes porque casam e buscam pelo amor… Uma dicotomia antiga e para lá de superada. Apesar disso, "Macho Man" garante alguns momentos de humor afiado – quase sempre politicamente incorreto.
Talvez seja necessário acompanhar a série através do inverossímel, pois a partir do momento em que Nelson sofre o acidente na boate, o que vem a seguir é uma completa imbecilização do estilo de vida heterossexual. Por exemplo, a cena em que Nelson se veste para ir a uma boate hétero. Nela, é travado um interessante embate entre a "vestimenta gay" versus a "vestimenta heterossexual". Quando o cabeleireiro consegue achar uma roupa adequada ao ambiente, o que vemos é uma cafonice sem tamanho. Os héteros são cafonas? Na sequência, acompanhamos a primeira imersão do personagem na boate. Nelson vai dançar com uma garota na pista e começa a soltar a franga, quando Valéria faz sinais de que ele não pode dançar daquele jeito. Quer dizer então que os héteros, além de cafonas, não sabem dançar?
Ainda não dá para saber qual será o caminho que a série vai trilhar, mas os autores partem da premissa de um ex-gay (ideia que Young e Machado já disseram considerar "absurda") para mostrar, a partir de um humor caricato, o quanto esses rituais e estilo de vida heterossexual são ridículos. Um preconceito às avessas? Talvez, até porque, para fazer esse deboche, os autores traçam um gay estereotipado: cabeleireiro, afeminado e fútil.
"Macho Man" revela também outra questão: o quão engessada está ficando a discussão da representação de identidades? A verdade é que, assim como não temos notícias de "ex-heterossexuais", também não temos notícias de "ex-gays". Sabemos, no entanto, que são paranoias construídas pela igreja, que se tornaram verdadeiras doenças modernas.
Enquanto o debate para além das identidades não for feito e levado adiante, ficaremos discutindo representações que não dizem mais respeito à realidade. Nesse sentido, "Macho Man" é apenas uma comédia besteirol com um ótimo roteiro.