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Crô, de “Fina Estampa”, vive entre a performance e a caricatura

Mal digerimos o término da novela "Insensato Coração" com seus vários personagens gays e já demos de cara com outro personagem, Crodoaldo Valério (Marcelo Serrado): o faz tudo de Teresa Cristina Velmont (Christiane Torloni), em "Fina Estampa", novela das 21h da Rede Globo.

Na trama, o personagem promete criar muita polêmica. Porém, entre a comunidade gay já causa controvérsia. Realizamos enquete com os leitores de A Capa sobre o que estavam achando do personagem e 40% considerou Crô caricato. Mas o que é caricato?

Rompendo com o binarismo de gênero
Se em "Insensato Coração" Gilberto Braga e Ricardo Linhares construíram personagens que tinham uma estrutura e discurso beirando a militância, Aguinaldo Silva vai na contra mão de seus antecessores e apresenta um personagem que beira a androginia, ou seja, nem muito masculino nem tão feminino. Oscila entre dois gêneros. Mas será que não reside aí a subversão de Crô? Todos os gays são como aqueles apresentados por "Insensato…": politizados, amáveis, quase sempre masculinos? Será que na critica ao "caricato" não reside um certo preconceito alimentado pelos gays?

Voltando à pergunta: o que é a caricata? Este termo foi muito usado no Brasil durante os anos 70/80 e até inicio dos anos 90, quando, fortemente influenciado pela cultura norte-americana, o termo drag queen se disseminou pelo Brasil e com isso a palavra caricata foi perdendo espaço. Hoje em dia é praticamente raro o uso de tal termo para designar artistas da noite que se travestem para fazer caricaturas da mulher, um deboche. E isso não quer dizer que o sujeito deseja ser mulher, como muita gente imagina.

A questão do fazer parecer/performance em torno do gênero vai ganhar força nos debates acadêmicos estadunidense dos anos 80 com o surgimento dos "queer studies" e "queer movement". Estes grupos, divididos entre pesquisadores e agentes políticos, vão apontar as drag queens, drag kings e andróginos como sujeitos que não se encaixam na ditadura do binarismo de gênero (masculino X feminino). Exatamente por não se enquadrarem em nenhum padrão imposto pela cultura (sempre pensada no viés heterossexual e masculino) que estes personagens, as caricatas e beeshas femininas, por exemplo, é que incomodam tanto. Além da ausência de uma classificação por gênero e orientação sexual, há também a presença do feminino, este sim, sempre motivo de repulsa.

Personagens que dão pinta
Apresentar personagens gays provocativos é uma característica de Aguinaldo Silva. Sua novela anterior, "Duas Caras", teve o personagem Bernardinho (Thiago Mendonça): homossexual feminino, carnavalesco, morador da favela "Portelinha" e cozinheiro.

No decorrer da trama, Bernardinho se envolve afetivamente e sexualmente com Dália (Leona Cavali) e posteriormente o casal se envolve com Heraldo (Alexandre Slaviero). Formado o triangulo amoroso, Dália engravida e eles estabelecem uma paternidade dupla. Bernardinho e Heraldo são o que: Gays? Bissexuais? Precisa de classificação?

Talvez personagens como Bernardinho e Crô sejam mais interessantes. Afinal, explicitam aquilo que, mais do que os heterossexuais, a comunidade gay masculina repudia: a beesha que dá pinta, a feminina, a passiva… E se formos analisar, estamos mais para Crô do que para Eduardo (Rodrigo Andrade), galã gay de "Insensato Coração"?

Saudáveis e viris
A cultura gay higienista surge no pós-Aids, quando homossexuais resolvem se descolar da imagem de "beesha louca", que ficaria muito ligada a questão da promiscuidade e consequentemente sujeito constante ao risco, e partem para uma imagem "saudável e viril". Tal ideologia permanece até hoje.

Portanto, personagens como Crô e Bernardinho, que transitam entre o feminino e o caricato mas sem cair no escracho barato, são a verdadeira subversão possível dentro de um produto conservador como a telenovela, que é destinada à família. Ainda não sabemos o destino de Crô, Aguinaldo Silva dá pistas dizendo que é uma "beesha má". Há também a hipótese de um namorado misterioso que tudo leva a crer ser heterossexual e casado. Aliás, tem coisa mais gay do que isso?

 

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