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Cynthia Wade

No próximo dia 24 de fevereiro, quando acontece mais uma edição do Oscar, a comunidade GLBT terá um forte motivo para ficar grudada à telinha. Numa categoria quase sempre menosprezada, a de Documentário de Curta-Metragem, está concorrendo “Freeheld”, filme sobre a história dos últimos meses de vida da policial Laurel Hester e da luta que travou para que sua companheira, Stacie Andree, tivesse direito à pensão depois da sua morte. Dirigido por Cynthia Wade, a produção já é considerada uma das favoritas ao prêmio.

Para filmar o documentário, Cynthia Wade percorreu caminhos difíceis, quase sempre deparando-se com questões éticas instransponíveis. Ao longo de oito semanas, antes de Laurel falecer em 2006 vítima de um câncer no pulmão, Cynthia coletou diversos depoimentos do casal, sempre tomando cuidado para não tocar em questões muito íntimas, que eventualmente pudessem comprometer o resultado final de seu trabalho.

A história de Laurel e Stacie mereceu a atenção da mídia em 2005. Devido a uma falha no sistema de pagamento de pensão de servidores públicos no Estado de Nova Jersey, ficou decidido que apenas casais heterossexuais casados poderiam dividir esse benefício com seus companheiros. Foi aí que a luta de Laurel começou. Todos os momentos que culminaram na vitória do casal frente à legislação do Estado, desde os primeiros julgamentos até a morte de Laurel, são contados em “Freeheld”.

Apesar de perder a luta contra o câncer, Laurel, que trabalhou vinte anos na polícia, sabia que sua história poderia servir de instrumento para conscientizar as autoridades em relação aos direitos de toda a comunidade GLBT. Foi por esse motivo que, de forma transparente e sincera, ela se abriu para as lentes de Cynthia Wade.

Em entrevista por e-mail ao Dykerama.com, Cynthia conta como conheceu Laurel e Stacie e fala das dificuldades que encontrou ao lidar com um temas tão polêmicos. “Aquela era uma oportunidade de contar uma história bastante pessoal, sobre como os direitos iguais ainda são negados neste país. Queria ser testemunha de tudo isso”, assume a diretora.

Na entrevista, Cynthia fala também sobre a importância de seu documentário para o debate sobre os direitos legais dos homossexuais e lembra que, independente da orientação sexual, a história de Laurel e Stacie é um alerta firme e preciso para toda a sociedade.

Confira abaixo a entrevista na íntegra. Para saber mais sobre o filme, acesse a página oficial. Aqui, você assiste a um emocionado depoimento de Laurel seis semanas antes de sua morte.

Dykerama.com – Como você se envolveu com a história de Laurel e Stacie? Por que decidiu filmar o documentário?
Cynthia Wade: Li um artigo sobre a situação de Laurel Hester. Quando li que a parceira dela, Stacie Andree, uma mecânica de automóveis, poderia perder sua casa sem a pensão de Hester, entendi imediatamente o grande risco que elas corriam.

Decidi participar de uma reunião da comunidade onde ativistas locais confrontaram as autoridades, os chamados “Freeholders”. Levei duas câmeras e dois assistentes, mas não sabia o que poderia acontecer. A dramática reunião que surgiu frente aos meus olhos foi uma experiência estarrecedora. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo – houve uma falha no sistema de pagamento de pensão de policiais e bombeiros em Ocean County, Nova Jersey, o que fez com que casais casados pudessem dividir a pensão, mas não os casais do mesmo sexo – e os oficiais pretendiam deixar tudo como estava. Eu não podia acreditar: estávamos apenas a uma hora de Nova York e era dezembro de 2005. Desde essa primeira reunião, durante a qual eu me apresentei a Laurel e Stacie, rapidamente me envolvi com a história delas, sua luta e vidas. Eu sabia que elas seriam as protagonistas do meu próximo filme independente.

Como cineasta, me sinto atraída por histórias difíceis sobre questões controversas. As histórias são normalmente contadas segundo a visão de fortes personagens femininas. O caso de Laurel Hester me emocionou por vários motivos: ela era uma policial num mundo dominado por homens; ela ajudou a resolver muitos casos, inclusive homicídio duplo; ela estava morrendo devido a um câncer; ela estava apaixonada por Stacie e queria deixar sua pensão a ela. O tempo corria. Havia um senso de urgência e propósito para a história. Aquela era uma oportunidade de contar uma história bastante pessoal, sobre como os direitos iguais ainda são negados neste país. Queria ser testemunha de tudo isso.

Dykerama.com – Você morou com as protagonistas por oito semanas. Como foi essa relação?
CW
: Intensa. De partir o coração. Extremamente tocante. Triste. Inspiradora. Senti uma enorme responsabilidade de contar a história de Laurel.

Dykerama.com – Laurel e Stacie temeram em algum momento abrir a vida delas para você? Você teve medo de discutir questões tão particulares em seu documentário?
CW
: Laurel sempre quis escrever um livro – ela sentia que suas experiências únicas de vida como mulher, lésbica e policial a obrigavam a contar sua história para um grande público. Depois que ela soube de seu diagnóstico, ela percebeu que escrever um livro não era mais uma possibilidade – e o filme rapidamente se tornou sua vitrine, seu canal para contar sua história para o mundo. Quanto se trata de documentários, há uma linha bem tênue que você precisa seguir como se estivesse numa corda bamba – e com “Freeheld” não foi exceção. Stacie é uma pessoa muito introvertida, e eu sabia que precisava respeitar isso. Mas dadas as circunstâncias – morei com Laurel e Stacie em seu quarto de hóspedes por pelo menos 10 semanas antes de Laurel morrer – desenvolvemos relações muito intensas e íntimas, o que me permitiu andar nessa corda bamba de forma um pouco mais confiante e inteligente, com um melhor entendimento de quando ou não filmar. Mas certamente foi bastante desafiador a cada dia.

Dykerama.com – Qual a importância do filme em relação aos direitos GLBT nos Estados Unidos e no resto do mundo?
CW
: Por ser um documentário ele se transforma em uma ferramenta educativa. E também, o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem recebido cada vez mais a atenção da mídia, particularmente na medida em que caminhamos às eleições deste ano, e eu queria que a história fizesse parte do diálogo nacional, já que é uma perspectiva bastante pessoal de uma questão política atual.

Minha maior esperança é que o filme atinja pessoas que nunca foram antes tocadas pelo assunto. O primeiro parceiro de Laurel enquanto ela era policial, Dane Wells, hétero, que se auto-intitulava “um eleitor conservador”, disse que nunca pensou em discutir os direitos de gays norte-americanos. Mas quando viu sua melhor parceira naquela situação, o assunto se tornou pessoal. De repente, Dane se tornou o principal aliado de Laurel. Virou uma espécie de ativista; era uma questão de direitos civis para ele. Meu objetivo é que o filme faça com que pessoas como ele pensem – talvez pela primeira vez – na forma como casais do mesmo sexo ainda têm seus direitos negados neste país.

Dykerama.com – Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou enquanto filmava o documentário?
CW: Os principais desafios eram éticos. Fazer um documentário pode levantar questões éticas ao longo do caminho, mas quando sua protagonista está morrendo rapidamente, abre-se uma caixa de Pandora gigante de questões morais. Laurel e Stacie deixaram que eu entrasse em suas vidas num momento vulnerável e emocional. Não queria magoá-las de jeito nenhum. Todos sabíamos que o filme era importante, e que poderíamos utilizá-lo como instrumento para mudança social, mas estávamos lidando com a vida real também. Respeitá-las foi muito importante para mim. Eu sempre me questiona, “Devo filmar isso? Devo desligar a camera? Isso é exagerado?” Quando Laurel adoeceu, deixar de filmar várias vezes. Havia coisas que não filmei por achar que estava sendo invasiva demais.

Dykerama.com – Qual é a mensagem mais forte que se apreende do filme?
CW: “Freeheld” – como muitos filmes – fala para diferentes públicos, e cada um o vê refletido em suas próprias experiências. Para muitos, é uma história sobre o poder do amor; para outros, é uma forma de relembrar das dificuldades do câncer; e ainda para alguns, é um exemplo poderoso de democracia em ação. No entanto, a mensagem mais forte do filme é obviamente um lembrete para que, se as pessoas lutarem pelos seus direitos, poderão mudar o mundo. O relacionamento de Stacie e Laurel, construído com base no comprometimento e no amor, não é diferente do casamento que eu compartilho com meu marido. Casais do mesmo sexo merecem proteção legal perante a lei, e igual compaixão nos corações e mentes de todos os cidadãos.

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