A próxima quarta-feira, 4 de maio, pode ser um dia que vai entrar para a história brasileira. Nessa data, estará na pauta de nossa corte superior do Judiciário, o STF (Supremo Tribunal Federal), duas ações que versam sobre o reconhecimento da igualdade.
23 anos após a promulgação da "constituição cidadã" que nos tirou do regime ditatorial, há um grande déficit democrático-formal no que diz respeito ao reconhecimento de direitos. Brasileiras e brasileiros que vivem, desejam e amam pessoas do mesmo sexo (ou que assumiram identidades de gênero distintas do seu sexo biológico) não são reconhecidos como sujeitos de direito, não existem no marco legal do país.
Ora, se os fundamentos de nossa república impõem a não-discriminação, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, como é possível que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais não tenham, até hoje, os mesmos direitos e deveres de todos os cidadãos?
Se, em todos esses anos, o Congresso Nacional não aprovou legislação infraconstitucional pertinente capaz de reconhecer os direitos desses milhões de brasileiros/as, a sociedade, contudo, avançou, o Judiciário nos estados avançou, o Executivo avançou. Cada país tem sua história, sua singularidade. Se, no Brasil, caberá à corte suprema reparar esse verdadeiro déficit democrático, que assim seja.
O mundo muda. Diversos países, sobretudo na Europa e América Latina, têm incorporado a população LGBT no seu ordenamento jurídico, legislando pela igualdade. Ora, se na Espanha, Portugal, Argentina e Uruguai foram feitas novas leis, instaurando direitos para homossexuais, por que não no Brasil?
Simplificando: o STF vai começar a julgar, na quarta-feira (4), duas ações distintas que foram agrupadas por tratar do mesmo tema. Uma delas é do governo do Rio de Janeiro – buscando sustentação jurídica para uma norma estadual feita a fim de estender para servidores públicos homossexuais fluminenses todos direitos dos héteros. A outra é da Procuradoria Geral da República – demandando que as pessoas homossexuais usufruam direitos iguais aos das heterossexuais, no que tange ao instituto da união estável.
Coisas comezinhas. Meio óbvias, até.
Afinal, por que a lei só haveria de reconhecer um tipo específico de família, de casamento, de união? A orientação sexual de alguém determina o acesso ou a negação de direitos? O Estado somente seria feito por e para as pessoas hétero? Na verdade, trata-se de reparar uma injustiça histórica. O iluminismo, a modernidade, as democracias e repúblicas liberais não se constituíram considerando a diversidade sexual – nem os direitos das mulheres, registre-se. Trata-se, portanto, de sanar um déficit democrático, incorporando à cidadania democrática milhões de LGBT alijados, como párias, sem direito nenhum.
Não é pedir demais ao STF que resolva essa questão. Afinal, essa corte já decidiu sobre tantas questões fundamentais para o país. Chegou a hora de "fazer o bem" e reparar seculares discriminações.
*Julian Rodrigues, mestrando em ciências sociais pela PUC-SP, é ativista LGBT e coordenador adjunto do grupo Corsa.