Organizações LGBTQIA+ indígenas lutam contra violência e discriminação num cenário político hostil e ameaçador
Em meio a um clima político cada vez mais hostil, a juventude indígena queer em Dakota do Sul, Estados Unidos, enfrenta desafios assustadores. Conhecidos muitas vezes pelo termo ‘two-spirit’, que reconhece a diversidade sexual e de gênero presente em várias tribos nativas, esses jovens vivem um cotidiano marcado por altas taxas de discriminação, violência e suicídio, colocando-os entre os grupos LGBTQIA+ mais vulneráveis.
Uma luta diária pela existência e pelo acolhimento
Monique “Muffie” Mousseau, diretora-executiva da organização Uniting Resilience, que atua desde 2019 em defesa da juventude LGBTQIA+ indígena em Rapids City, Dakota do Sul, relata o impacto da ascensão de políticas conservadoras. Após a posse do presidente Trump, Mousseau recebeu ameaças de morte e ataques homofóbicos que a fizeram, junto com sua esposa, Felipa De Leon, reduzir sua presença nas redes sociais por segurança. O centro de acolhimento que mantêm tem servido de refúgio para outras organizações LGBTQIA+ expulsas de seus espaços devido a ameaças e cortes de financiamento.
“Queremos que o público entenda que existimos e estamos aqui para ajudar”, afirma Mousseau, que é membro da tribo Oglala Lakota Sioux. Para ela, a prioridade é garantir a segurança e o suporte contínuo para esses jovens que enfrentam um duplo preconceito — por sua identidade de gênero/sexualidade e sua origem indígena.
Contexto alarmante em Dakota do Sul
O estado tem uma das maiores populações indígenas proporcionais dos EUA, e pesquisas recentes apontam que mais da metade dos jovens LGBTQIA+ em Dakota do Sul já consideraram seriamente o suicídio — um índice muito superior à média nacional. Além disso, o local tem sido palco de projetos legislativos anti-LGBTQIA+ que ameaçam ainda mais os direitos dessas comunidades.
Um relatório conjunto da Human Rights Campaign e da Uniting Resilience destaca que jovens two-spirit são frequentemente alvo de bullying nas escolas, sendo, muitas vezes, isolados e obrigados a aprender remotamente. A violência contra indígenas na região é 2,5 vezes maior que a média, e 93% dos crimes de ódio têm motivação racial, étnica ou relacionada à identidade LGBTQIA+.
Reconectando com ancestralidade e identidade
Para fortalecer esses jovens, a Uniting Resilience tem promovido encontros, grupos de apoio e cerimônias que resgatam as tradições e papéis históricos de pessoas LGBTQIA+ nas culturas indígenas. Mousseau e De Leon, por exemplo, lutaram para que seu casamento fosse reconhecido pela tribo Oglala Lakota Sioux — que em 2019 aprovou uma ordenança que reconhece legalmente uniões LGBTQIA+ e instituiu proteções contra crimes de ódio que incluem identidade de gênero.
Essa reconexão com a ancestralidade serve como uma ferramenta poderosa contra a homofobia, que, como Mousseau destaca, não é tradicional, mas sim uma imposição colonizadora. A presença de bandeiras do orgulho trans em protestos contra legislações anti-trans e as atividades constantes da organização reafirmam essa resistência.
Desafios atuais e esperança para o futuro
Apesar das conquistas, o ambiente segue perigoso. Em abril, a Uniting Resilience foi obrigada a fechar seu escritório devido a ameaças de violência e manifestações supremacistas na região. Para proteger os jovens, os encontros e eventos passarão a ser mais discretos, e a decisão sobre a realização da tradicional pow-wow anual ainda está em análise.
Mas a esperança e a força seguem vivas. Mousseau e De Leon mantêm o compromisso de educação para autoridades locais, fortalecimento das redes de apoio e sonhos de visibilidade nacional, até mesmo com o desejo de apoio de celebridades. Para elas, a luta é uma resposta urgente e necessária para que a juventude indígena queer possa existir plenamente, com orgulho e segurança.
“Eu quero que vocês saibam que sou rica porque conheço nossa casa, nossas tradições e cerimônias. Não julgo ninguém e não considero ninguém por gênero”, conclui Mousseau, lembrando que a verdadeira riqueza está no pertencimento e na ancestralidade.