"Eu falo um pouco de português", disse, com sotaque carregadíssimo, a drag queen La Prohibida, minutos antes de sua apresentação em São Paulo às vésperas da Parada Gay, no último mês de junho.
Bastou contar que me chamava Paco para que coisas em comum viessem à tona. Na verdade, além do idioma, o que nos uniu foi também o jeito cativante e nada afetado de falar sobre música, cinema e, acredite, política. Sim, por trás da peruca e de muita maquiagem, La Prohibida é uma ferrenha ativista dos direitos gays – militante "diária" dos homossexuais, como prefere dizer – em sua terra natal.
Antes de subir ao palco do teatro do Sesc Pompeia, a artista contou o que sabia do Brasil, inclusive, que morou em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, há 15 anos. "Então é por isso que você tem esse vínculo com o Brasil", observei, perguntando o que ela achava do rótulo de "país sensual". "Do Brasil, gosto do calor das pessoas, da alegria, da filosofia de vida, que é uma filosofia muito natural e autêntica", respondeu, sincera.
Amiga de tantas brasileiras, entre elas a drag LaBelle Beauty e o performer Alisson Gothz, La Prohibida é fã de talentos nacionais, como a cantora Alcione. Entre uma taça de vinho e outra, falamos também sobre os rumos do governo espanhol e do risco da direita assumir o poder. "Não acho que a direita se atreveria a contestar os direitos já alcançados. Sabemos que há políticos que fariam o possível para revogar [a lei que permite o casamento gay], mas isso depende do povo e eu sei que o povo é quem decide. Mas, se isso acontecer, tenho um mínimo de tranquilidade, porque acho que a direita pode ser contra muitas coisas, mas não de tudo. E se forem contra, melhor, porque assim podemos sair às ruas", opinou a politizada drag.
Como porta-voz dos grupos LGBT, La Prohibida é muito requisitada. Ícone da montação, a drag participa há anos da EuroPride, a Parada Gay europeia, sobre a qual comenta: "Dou toda a importância à Parada Gay, com certeza. Mas dou mais importância à reivindicação diária. A manifestação não deixa de ser uma festa maravilhosa, mas no dia seguinte tudo volta ao normal."
Frequentadora de baladas, digamos, mais alternativas, La Prohibida não vê espaço para a segregação na cena noturna. "Prefiro um lugar onde as pessoas se reúnem por suas tendências musicais e não por suas tendências sexuais", defendeu a performer, que, se morasse em São Paulo, seria habitué do clube A Lôca. "Tenho certeza que é ‘minha cara’, como dizem aqui, não?"
Em seu bombado fotolog, La Prohibida deixou claro por que se identifica tanto com nosso país. "O Brasil é divertido e profundo ao mesmo tempo", escreveu, após sua rápida passagem por São Paulo. "Agradeço enormemente a qualidade humana das pessoas que conheci, e me sinto privilegiada de ter visitado novamente o Brasil depois de tantos anos."
Nas telonas
Quem diria. Na terra do mestre Pedro Almodóvar, La Prohibida prefere outro cineasta, Miguel Albadalejo, que também aborda a temática das sexualidades. Não que a artista não goste do trabalho de Almodóvar, mas é que ela não se sente preparada para atuar em seus filmes. "Gosto muito da forma como Almodóvar lida com a homossexualidade. São histórias radicais na forma e também no conteúdo. Mas gostaria de participar mais de um filme de Albadalejo", pontua. "Os personagens de Almodóvar são muito complicados e eu não sou tão boa atriz. Não sei se estaria à altura.Talvez para uma pequena participação – e só."
Ainda sobre rótulos e preconceitos
A personagem forte e poderosa de La Prohibida não chega a enfraquecê-la quando ela precisar expor um assunto mais sério. "As pessoas não entendem a mensagem que eu quero passar. E se não me entendem, não é minha culpa, é dos outros", defende a drag, para quem a sociedade tem dificuldade em aceitar o que é diferente. "Há muito preconceito com as travestis, com os garotos afeminados, com as ‘bichas’ que se maqueiam, com os homens de idade, com as mulheres masculinizadas", enumera.
A drag também recusa o rótulo de homossexual. "Não quero perder nada na minha vida: não quero perder as mulheres, os heterossexuais, não quero viver uma vida gay. Gosto de saber que podemos reivindicar, e que há lugares para nos reunirmos. Mas a minha vida não é uma vida gay", finaliza, categórica.
Um pouco mais sobre La Prohibida
Misto de música e performance, La Prohibida iniciou sua carreira em 2002 com o álbum "Labios de hiel". Três anos mais tarde alcançou o reconhecimento com "Flash", cujo clipe teve mais de 600 mil visitas no YouTube.
O mais recente trabalho de La Prohibida se chama "Señor Kubrick, ¿Qué Haría Usted?", uma espécie de homenagem ao gênio do cinema, autor de obras-primas como "2001 – Uma Odisseia no Espaço" e "Laranja Mecânica". Neste álbum, destacam-se os singles "Terechkova" e "Cuando Dos Electrones Chocan", que foram muito bem recebidos nas pistas da Europa e América Latina.
Nascida em Cádiz, em 1971, a drag atuou como tradutora e intérprete antes de enveredar pelo ramo artístico. No cinema, fez excelentes participações, como nos curtas "Quiéreme", "Carne de Gorila" e, mais recentemente, em "¿Iguales?" (2008).
Com fãs clubes em quase todos os países da América Latina, a música de La Prohibida cativa por suas letras densas, críticas e reflexivas, que falam de amor e desamor, sempre com apelo a temas futuristas e tecnológicos.
Inquieta e enérgica, La Prohibida comprova que, por trás dos mais elaborados recursos estéticos, há sempre uma mente pensante, que não nega o espetáculo, mas sabe que não é possível viver apenas dele.
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