Quando paramos para pensar a respeito das diretrizes que sustentam a ideologia católica, a constatação é uma só: como pode grande parte da humanidade acreditar em tamanhos absurdos, ou mesmo despautérios. Só rindo mesmo. Essa é a tônica do novo livro do escritor português José Saramago, “Caim”. Se não leu, leia. É fininho.
A obra tem como ponto de partida a criação de Deus cujo título é Adão e Eva. E toda aquela ladainha a respeito de terem comido o fruto proibido. Mas, já começa aí o humor ácido do escritor a partir da boca de Eva: Se é proibido, por que o colocou aqui? “Sabendo que íamos comer do fruto proibido”.
Assim, Adão e Eva são expulsos do paraíso. Uma forte melancolia se abate sobre os dois. Aqui Adão é um preguiçoso e machista, enquanto Eva é a representação da mulher libertária e que não tolera maus tratos do companheiro. Adão fica a reclamar da falta de comida. Eva resolve voltar até o paraíso e fazer um acordo com o anjo que faz a guarda da entrada do paraíso.
E dá certo, pois, o anjo não concorda com a atitude raivosa do Senhor. Permite que ela entre e pegue alimentos. A vida prossegue. Adão e Eva dão a luz aos filhos Abel e Caim. Novamente a história já conhecida: Caim fica com inveja de Abel, pois a sua colheita não é reconhecida por Deus como uma grande obra. O mata com enxadadas na cabeça de Abel.
Eis que temos o primeiro grande momento do livro. Deus aparece para Caim e o questiona, “por que mataste o teu irmão”. E Caim lhe responde, “a culpa é sua”. Deus fica pensativo, “por que a culpa é minha?”. Caim explica que, se Deus tivesse gostado da plantação dele isso não teria acontecido, que foi graças a ele, Deus, que a inveja e o ódio brotaram e fizeram com que ele matasse o irmão.
Caim e Deus fazem um acordo. O senhor assume que tem meia culpa pela morte de Abel,mas, para não castigar Caim propõem um acordo entre eles: eu lhe protejo, mas você não irá contar a ninguém sobre o nosso trato. Assim Caim cai no mundo e se torna andarilho. A partir acompanharemos a partir da perspectiva do filho de Adão e Eva a (RE) constituição dos fatos bíblicos até a arca de Noé.
E quem é Deus, o Senhor? Segundo Caim um ser que adora guerra e rancoroso. Por exemplo, na passagem de Abraão. Deus quer que ele prove a sua fé, para isso terá de matar o filho. Caim impede e questiona: “É assim que você quer que ele prove que tem fé?”. E diz a Abraão: “Só um grande filho da puta pediria a alguém para sacrificar o filho como prova de fé”.
Outra parte emblemática e que diz respeito a nós bichas é a respeito da destruição de Sodoma e Gomorra. Deus fica boquiaberto ao descobri que homens se deitam com homens e por conta disso resolve que Sodoma e Gomorra devem ser destruídas. Caim questiona, “se Deus é algo tem grande e tão bom, por que está preocupado com o que as pessoas fazem dentro de suas casas, isso é problema delas”.
Muito bom também é maneira como Saramago resolve explicar as desgraças que se abatem sobre a humanidade. Tudo não passa de um acordo entre Satã e Deus. Satã vive a provocar Deus e lhe dizer que os humanos não têm tanta fé. Com isso Deus permite que Satã venha a terra e provoque a fé de sua criação… Enfim, eles selam um acordo sem prazo de término.
O livro “Caim” é uma grande alegoria que o escritor Saramago construiu para criticar os valores da igreja católica. Algo que ele já havia feito magistralmente com “O evangelho segundo Jesus Cristo”. Com alta dose de ironia ele mostra como as histórias católicas são inverossímeis e desafiam qualquer bom senso da vida.
Para finalizar, algumas perguntas: como Noé fazia para limpar toda porcaria que os animais faziam em seu barco? Como este chegou até o mar? E que tipo de remo era usado para um barco daquele tamanho?