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Dia da Mulher: Homenagem a todas as bruxas

Sábado foi o Dia Internacional da Mulher. Uma data de reflexão, um momento para lembrar a trajetória das mulheres ao longo da história e comemorar as conquistas, mas principalmente analisar o que ainda falta para tornar a igualdade de direitos uma realidade. Acho impressionante ver que nós – mulheres – ainda sofremos violências de todo tipo e ainda ocupamos posições desiguais econômica e socialmente. Mais impressionante ainda é ver que tantas pessoas desconhecem – ou preferem ignorar – esse cenário tão desigual. Por isso, o 8 e março pede uma reflexão pessoal, para analisar meios de incorporar o feminismo cada vez mais na nossa rotina.

Talvez você esteja se perguntando o que o dia da mulher e a luta feminista têm a ver com bissexualidade… TUDO!

Para lembrar a importância da data, o Coletivo de Trabalhadoras e Estudantes de Santos (do qual faço parte) organizou um evento muito legal. Além de uma exposição fotográfica e uma festa com discotecagem feminina, rolou uma oficina chamada “Ritual das bruxas”, ministrada pela Dida, que abordou a violência sexual resgatando a trajetória feminina desde os tempos da inquisição.

Durante a oficina, refletimos sobre os fatos da Idade Média, quando a Igreja, junto a todos os poderosos da época, queimavam ou enforcavam em praça pública todos aqueles que não compactuavam com a ordem vigente. Lógico, sobrou pras mulheres! Todas as que ousaram sair de seu papel de mãe, frágil, subserviente, foram perseguidas. Aliás, papel esse muito bem definido tempos antes, com o nascimento da propriedade privada, onde se inicia a preocupação masculina em manter a riqueza – que passava a ser cumulativa – dentro da família. Com isso, além da terra, as mulheres e os filhos passam a ser posse! A partir daí, é óbvia a preocupação em controlar o sexo, fazendo com que ele seja só para procriação – e, conseqüentemente, só com o marido -, bem como todo e qualquer pensamento que pudesse impulsionar a mulher a buscar uma vida autônoma.

Ao longo desse tempo – entre a pré-história e a Idade Média -, a mulher viveu longos anos sem mesmo ser considerada cidadã. Quando começaram a se organizar e conquistar espaço, os homens sentiram a ameaça e logo trataram de brecar qualquer avanço. Tendo a igreja como aliada, foi fácil, em nome de Deus, condenarem todas as mulheres que tivessem idéias contrárias àquela vida pré-determinada para elas. Como eram elas que passavam a maior parte do tempo em casa, desenvolveram maior contato com a natureza, e conseqüentemente, passaram a conhecer o poder de cura de ervas e plantas. Para a sociedade, que acreditava que toda enfermidade era uma vontade divina, foi uma ótima desculpa acusá-las de bruxas e combatê-las com veemência.

Tudo isso parece estar muito distante de nós, em tempos muitos antigos… Será? Se repararmos bem, o poder continua detido em mãos masculinas e, ainda que velado, o papel das mulheres continua bem definido; as que ousam escapar dele ainda sofrem punições. Não mandamos em nosso corpo, não temos liberdade plena para exercer nossa sexualidade, não ganhamos o mesmo salário, mesmo quando temos a mesma ocupação que os homens, não podemos andar sozinhas e tranqüilas nas ruas, não somos ouvidas com a mesma atenção, seja na mídia ou nos círculos sociais, dentre muitos outros “nãos”…

Talvez você continue se perguntando o que tudo isso tem a ver com a bissexualidade… Eu explico: Ser bissexual – ou lésbica, ou transsexual, ou qualquer coisa que divirja da heterossexualidade dominante – é questionar o papel que nos é imposto. Viver nossa sexualidade da forma que sentimos que devemos viver é uma atitude bem similar a das bruxas de antigamente. Pode parecer muito mais grave o que acontecia a elas – ser queimadas por agir ou pensar da forma que acreditavam – mas eu não sei se podemos dizer que hoje em dia não sofremos as mesmas conseqüências. Muitas mulheres apanham ou são humilhadas por usarem uma roupa decotada; em alguns países mulheres ainda têm seu clitóris decepado quando nascem, para evitar que sintam prazer com seu corpo; muitas ainda se casam com o cara escolhido pela família, quando não são obrigadas a ocultar sua orientação sexual; e a lista de privação de direitos ainda é bastante extensa.

Para mim essas bruxas foram feministas pioneiras. Porque ser feministas nada mais é do que agir de acordo com seus próprios princípios, sem seguir o modelo patriarcal imposto e dar a cara à tapa para as conseqüências que podem surgir dessas ações. Se todas nós continuássemos, desde aquela época, agindo como as bruxas, será que as mudanças até hoje não teriam sido maiores? E porque será que não agimos assim?

Fico triste por saber que o rótulo de feminista ainda assuste muita gente. É comum ver mulheres que lutam por seus direitos, mas insistem em negar o termo “feminismo”. Por que será que essa palavra assusta tanto? Será que é simplesmente uma aversão ao rótulo ou seria medo da forca em praça pública? Talvez o termo incomode por ser interpretado como “mulheres roubando o poder dos homens”. Para mim feminismo é igualdade, mas me intriga saber porque as mulheres têm tanto medo que pensem que elas possam estar questionando o poder masculino… Isso não seria se conformar com o papel de subserviente?

Acredito que os rótulos não podem nos definir por completo, mas isso não tira a importância de nos posicionarmos contra esse status quo que diz que devemos ser frágeis, obedientes e delicadas, que devemos formar uma família heterossexual monogâmica e honrá-la, que devemos trabalhar fora mas sem esquecer das tarefas do lar. A liberdade conquistada até aqui de nada serve se não a exercermos. A conquista de novos avanços está totalmente ligada aos nossos posicionamentos e à coragem de enfrentar os poderes que nos oprimem. Enquanto nos guiarmos pelo medo da força das palavras, vamos continuar mantendo toda dominação contida nelas.

Sou feminista com muito orgulho e acredito que foi esse posicionamento que me deu força pra acreditar que posso ser o que quiser e que não devo me esconder dos muitos rótulos que ainda vou colecionar na vida. Me deu força também pra escrever essa coluna, falar o que penso e viver minha (bi)sexualidade. Homenageio todas as guerreiras que lutaram até o fim para termos os avanços que temos hoje. Agradeço a todas as companheiras que estão na ativa – seja na política ou proporcionando mudanças nos seus círculos sociais – para transformarmos esse mundo num lugar mais igualitário. Àquelas que ainda não notaram que temos muita luta pela frente, convido a dar uma olhada a sua volta; nunca é tarde para iniciar a luta diária.

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