in

Diálogo e diversidade

É comum usar a expressão “mundinho” para falar de um conjunto de pessoas, lugares, músicas, filmes, roupas e referências culturais ligadas a gays, lésbicas, sapas, entendidas, bofinhos, ladynhas, bis, dykes e quem mais vier. Há alguns dias, a escritora norte-americana Camille Paglia deu uma entrevista, para o jornal Folha de S. Paulo, afirmando sua preocupação com o impacto do ativismo sobre a definição da sexualidade dos jovens: “Muitos jovens que apenas são atraídos por pessoas do mesmo sexo decidem dizer “eu sou gay” e adotar esse mundo, excluindo outras possibilidades de expressão”. Mas de que mundo estamos falando?

Nos anos 50 e 60 foi muito comum, inclusive entre pesquisadores, falar numa “comunidade homossexual”. Eram tempos difíceis. Muitos estados norte-americanos criminalizavam práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo e aqui no Brasil havia poucos espaços, quase sempre privados ou semi-públicos, onde homens ou mulheres que não fossem heterossexuais podiam expressar seus desejos. Falar de uma “comunidade homossexual” nesse período era como falar de um desejo de ter espaços numa sociedade da qual as pessoas não se sentiam parte.

Mas foi exatamente no diálogo com essa “sociedade repressora” que foram sendo criados outros espaços. E, é claro, o que nasce do diálogo, ainda que em oposição ou crítica, não nasce isolado. O final dos anos 60 nos Estados Unidos e o final dos 70 no Brasil viram surgir grupos ativistas e manifestações culturais que diziam algo como “estamos aqui e somos diferentes”. Mas diziam isso pra quem? Era só pra que os diferentes se juntassem ou para que aquela tal sociedade os visse como parte?

Bom, acho que cada pessoa que participou desse tipo de experiência de procurar provocar ou transformar as estruturas que lhes pareciam opressoras pensou numa estratégia. Mas apesar das estratégias imaginadas, o que vejo surgindo é mais diálogo. É óbvio que para que haja diálogo é preciso que existam vozes, além de mensagens, e essas vozes muitas vezes se anunciaram como parte de um “mundinho”. Mas será que ele é isolado?

Fico pensando na primeira passeata ativista contra a violência policial no centro de São Paulo, em 1980. Lembro também da primeira Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, em 1997: “somos muitos, estamos em todos os lugares e em todas as profissões”. A primeira Caminhada de Lésbicas e seu desejo de visibilidade. Ou de como as meninas na cena do rock montaram suas primeiras bandas e depois veio o LadyFest onde, sendo ou não dyke, se aprende o respeito. Os espaços de afirmação nunca deixaram de ser espaços de diálogo.

Muita coisa mudou: uma recente pesquisa do DataFolha sobre a família brasileira mostra que cresceu nos últimos 10 anos a quantidade de pais para os quais não é problema que um filho ou uma filha namore uma pessoa do mesmo sexo. Por outro lado, se alguns jovens assumem cada vez mais cedo uma posição com relação à sexualidade, muitos sabem que há também a possibilidade de afirmar outra posição em outro momento se for necessário, mas há também os que se recusam a dizer “eu sou…”. Quando dizem isso em blogs, letras de músicas, camisetas ou criando gírias estão dialogando entre si sobre o que fazer no mundo de hoje.

Enquanto damos à luz um novo espaço de diálogo é bom lembrar Cazuza – o tempo não pára! – e – por que não completar? – o relógio não anda pra trás. Deixemos que os próprios jovens façam os seus diálogos de acordo com seu tempo. Eles e elas certamente saberão achar formas criativas para os diálogos que acharem que é preciso fazer.

* Regina Facchini é antropóloga e colunista do Dykerama.com

Dykoteca

Podcast