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Dica de leitura: Amor possível

Adoro falar de amenidades, mas nunca me arrisquei a falar de amor. Talvez porque soe romântico demais, meio piegas, coisa de mulherzinha.

Mas após ler um romance lésbico chamado “Flores Raras e Banalíssimas”, de Carmen L. Oliveira, fiquei extremamente ouriçada com o tema brega e resolvi falar do livro que me encantou. Senta que lá vem a história…

O romance durou quinze anos. Na relação, uma era a protetora, a outra era protegida, uma era mais durona, turrona, dona da situação, a outra um tanto frágil, doente, alcoólatra, e procurava sempre se ajustar às situações impostas para evitar a fadiga. Uma gostava de poesia e viagens, a outra gostava de botânica, arquitetura e política. As duas, no entanto, se amavam além das suas diferenças.

Nos idos anos 60, as senhoras se conheceram e se apaixonaram, assim como acontece com a gente. E imediatamente se casaram, assim como acontece com a gente também. Depois, começaram a construir o lar doce lar, um estúdio para a poetisa, uma reforma aqui e outra ali, adotaram um gato, além dos mimos, dos jantares sociais em casa, das viagens românticas e das noites no meio do mato curtindo apenas a companhia uma da outra.

Tudo como manda o figurino, exatamente como acontece com a gente. Até que a coisa mudou de foco, caiu numa estabilidade, num marasmo, numa monotonia, as vidas foram se desgrudando, cada uma desenvolvendo suas habilidades profissionais, fazendo suas coisinhas separadamente e, de repente, a distância entre uma e a outra começou a surgir sorrateiramente, embora estivessem as duas no mesmo quadrado.

A crise levou uma delas para os Estados Unidos, sua terra natal. A outra ficou no Brasil se sentindo uma nobre mulamba abandonada, sofrendo a ausência de alguém cuja presença não foi devidamente valorizada. A durona se tornou fraca, doente, infeliz. A frágil se aconchegou nos braços de outra, restabeleceu sua auto-estima e seu próprio caminho também. Mas a história não acabou assim.

Numa atitude de sobrevivência, a brasileira foi atrás da estrangeira e, embora muita coisa tivesse mudado, elas sabiam que o calor de uma já era da outra, não havia maneira de separar aquelas duas. Para elas, a distância, a incompreensão, a traição e o descuido não foram suficientes para acabar com aquele romance que só teve fim depois que uma delas morreu.

O livro me fez pensar sobre o poder da entrega. Quando o casal se doa mutuamente, consegue suportar as crises nervosas, o alcoolismo, a crueza do cotidiano, as picuinhas individualistas, a indiferença, a traição, a velhice, tudo para manter o relacionamento. O amor das duas parecia ser duro de pedra. E a história me levou a acreditar que os romances lésbicos podem durar mais que dois anos.

Serviço:
Flores Raras e Banalíssimas – A história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop (edição revista)
Autor: Carmen L. Oliveira
Páginas: 224
Preço: R$ 41,50

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