A união homoafetiva nada mais é do que a união de duas pessoas do mesmo sexo, trazendo consigo todas as características de um relacionamento, tais como, convívio público estável, duradouro, com o objetivo de constituição de família.
Não temos no Brasil lei específica regulamentando o assunto, razão pela qual a maioria dos juízes decide contra o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, fundamentando suas decisões no artigo 226, § 3º, da Constituição Federal do Brasil, que traz como conceito de família “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.
É bem verdade que se pode colocar dúvida quanto ao alcance desse dispositivo constitucional, no direto confronto com a ordem emanada do artigo 5º, da mesma Constituição Federal, que garante a igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza, da mesma forma como assegura a inviolabilidade do direito à vida, à segurança, à liberdade, entre outros direitos da pessoa humana.
Daí, por força dessa igualdade legal entre todos, em direitos e obrigações, sem qualquer distinção, razoável é a conclusão no sentido de se permitir a união entre pessoas do mesmo sexo, e, por se cuidar de um tema de interesse particular, e não público, deveria o Estado proteger e não proibir tal união.
Bem por isso, a interpretação que se vai dando àquelas decisões, calcadas no artigo 226, da Constituição Federal, quanto a ferir um dos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, isto é, o da dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado Democrático de Direito.
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana, todo e qualquer cidadão tem direito de exercer e usufruir dos atributos inerentes à personalidade e concretizar direitos previstos na Constituição.
Logo, o não reconhecimento da união homoafetiva afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, na exata medida da ofensa ao princípio da igualdade das pessoas, independente do sexo, como consagrado no citado artigo 5º da Constituição.
A par disso, o não reconhecimento da união homoafetiva leva a outras consequências, como, por exemplo, o impedimento à divisão de bens em eventual partilha, aos alimentos, à sucessão e à pensão previdenciária.
Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a ilustre juíza Nancy Andrighi, reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo, concedeu ao companheiro sobrevivente o direito a receber benefício previdenciário, decorrente de plano de aposentadoria privada:
“O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.
(…) Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.”
(…)
– Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.
(…)
– A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.
(…)
– Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.
Indiscutível e incontestável é que as relações homoafetivas existem e continuarão a existir, mesmo que o Direito se mantenha indiferente ou que não haja reconhecimento jurídico do Estado, mesmo porque o papel dessas entidades – Estado/Direito – é o de respeitar a diversidade, fomentar a tolerância e contribuir para a superação do preconceito e da discriminação, afastando e minimizando restrições ao reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo.
* Flávio Nacle e Gilmara Ramos são advogados. Fale com eles e envie sugestões e dúvidas sobre seus direitos para o e-mail juridico@acapa.com.br.