Eu tive uma relação com outra mulher durante 8 anos, e ela morou em meu apartamento por 5 anos (entre idas e vindas). Pois bem, hoje nos separamos e ela está entrando na Justiça querendo parte, divisão do apartamento e do carro e de tudo que está em meu nome. Isso é possível? Sendo que eu adquiri os bens antes da convivência e apenas o carro foi na época que estávamos juntas. Será que ela consegue na Justiça o direito de divisão de tudo?
Foi motivado pela pergunta da leitora e de outras com igual teor que a coluna aborda a união homoafetiva e seus aspectos patrimoniais, sobretudo, aos casos de separação. É preciso, antes de tudo, ressaltar que a família moderna mudou. Hoje, ela se pluralizou, ganhou novos formatos, mas manteve sua essência: a afetividade.
A união homoafetiva é o reflexo da busca pela felicidade que pessoas de igual sexo se permitem. Posso afirmar que nela, esses indivíduos encontram espaço para sua plena realização enquanto seres humanos.
São uniões como as demais, onde nada é mais importante que o cuidado e o amor. Enfim, uma instituição democrática. Independente do sexo dos indivíduos, separação não é fácil. Além de serem abalados psicologicamente, cada ser se vê obrigado a seguir adiante, ainda que com o coração arranhado.
Em muitos casos, a raiva, a agressividade e outras séries de fatores não colaboram – assim, são os restos do amor que batem à porta do Poder Judiciário, clamando por socorro. Como se sabe, à união homoafetiva ainda não foi reservado tratamento de entidade familiar.
Existem precedentes, compreendendo a possibilidade de processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais da Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabido qualquer tipo de discriminação.
Contudo, o assunto ainda é divergente, sendo clara a resistência pelos tribunais acerca do reconhecimento desse tipo de relação e, apesar das exceções que fazem precedentes, muitos juízes têm interpretado a união homoafetiva segundo a tendência de compreendê-las como uma sociedade de fato.
Isso é: são entendidas como uma relação jurídica e social, configurando uma sociedade/entidade civil, na qual pela comunhão de interesses, pessoas do mesmo sexo se unem com o intuito de alcançar um bem comum e, se na vigência da união houve comum esforço para a aquisição de determinado bem, os bens adquiridos aos dois pertencem.
Observamos que qualquer vínculo de afeto não é analisado. Assim, o processo não corre nas Varas especializadas de família e sucessões – dificultando assim o reconhecimento da relação, restando a estas o tratamento de mera sociedade civil.
Assim como no caso da leitora que enviou a dúvida, como nos demais, há de ser ressaltado que, independente da diversidade do sexo ao qual se refere a relação, há de ser verificada a presença do vínculo afetivo, a identidade de projetos de vida e propósitos comuns. E é a partir disso que a dissolução da relação e posterior partilha de bens devem ser feitas.
Em grande número de manifestações, observei que ocorre a dependência econômica de apenas um dos parceiros do casal homossexual. Esse um é quem detém os bens em seu nome. Restando, na dissolução da união, que o outro prove que concorreu direta ou indiretamente para a aquisição do bem. Compreendo que, nestes casos, a decisão de conceder salário ou divisão patrimonial pode ser fundamentada no princípio do enriquecimento ilícito ou sem causa como preferem alguns.
Assim, respondendo a dúvida da leitora, partilho do entendimento de que nos casos em que ocorre a necessidade de divisão dos bens quando ocorre a dissolução da união homossexual, é conveniente aplicar as normas constantes na união estável com efeitos patrimoniais, realizando a separação do patrimônio advindo à união dos esforços, contudo, desde que a relação possa ser enquadrada nos princípios constitucionais da coabitação, da publicidade, da notoriedade e da fidelidade, a relação aos olhos da Justiça tem de demonstrar a sua efetiva vontade de assemelhar-se a uma relação tipificada em lei.
No caso concreto da leitora, ainda que exista a ameaça por parte da ex-companheira, compreendo que inexistindo prova de que ela concorreu à aquisição dos bens (exceto do automóvel), as alegações dela não merecem prosperar sob pena de incorrermos numa decisão que atribui enriquecimento sem causa a ela, correto?
Oriento que cada homossexual procure profissionais aptos técnica e emocionalmente para a solução de seus conflitos, só assim é que serão assistidos integralmente na defesa de seus direitos.
Democracia presume aceitação da diversidade e de relações de poder baseadas no consenso, no poder comunicativo, que é a característica fundamental da humanidade: a do entendimento. Cabe ao Poder Judiciário, ao direito, o fortalecimento e amparo às situações que como estas clamam por Justiça. Só assim é que podemos concretizar a dignidade de cada pessoa.
Forte abraço!
* Jeferson Gonzaga é advogado, inscrito na OAB/SP 307.936. Atua em pesquisas e precessos voltados ao direito homoafetivo.
MSN: drjeferson@live.com.