Ao apresentar o filme, a diretora já indicou que se trata de um projeto muito pessoal ao dizer que o filme levou 42 anos para ser feito, basicamente desde que ela chegou em San Francisco para estudar. Por meio de depoimentos de mulheres que em algum momento cruzaram o caminho percorrido pela diretora, Lynn narra a história e a luta de artistas, performers e curadoras – de Judy Chicago a Miranda July, passando pela Guerilla Girls e Márcia Tucker – para ganhar visibilidade no mundo das artes plásticas, totalmente dominado por homens, desde o final da década de 60 aos dias de hoje.
Fiquei especialmente emocionada quando ela conta que em meados da década de 70 um museu (ou galeria) recusou o material que ela havia enviado dizendo que aquilo não era arte e ameaçando destruir seu trabalho caso ele não fosse retirado dali até a manhã seguinte. Quatro décadas depois ela conseguiu recursos para finalizar esse filme com a venda de um único trabalho.
Fiquei pensando sobre as humilhações que Lynn e tantas outras mulheres tiveram que passar para que Nan Goldin (que por sinal está com uma exposição solo aqui em Berlim), Barbara Kruger, Cindy Sherman pudessem ocupar o espaço que elas têm no cenário das artes, nos Estados Unidos e no mundo, que, diga-se de passagem, ainda está longe de ser igualitário.
No cinema também não é muito diferente. Por isso mesmo, estou particularmente entusiasmada com a forte seleção de filmes de temática lésbica no Festival de Berlim, reforçada pela presença de bons títulos também no European Film Market, feira de filmes que acontece paralelamente ao Festival.
Em posição mais proeminente está a jovem diretora lésbica Céline Sciamma, cujo filme "Tomboy" abriu a seção Panorama. Celine já havia mostrado a que veio com seu primeiro longa-metragem, "Lírios d’Água", que estreou com muito sucesso na Mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes em 2007. Como em seu primeiro filme, Céline explora as complexidades e contradições das amizades entre meninas, desta vez bem mais novas.
Em "Tomboy", uma garotinha de 10 anos se faz passar por menino quando sua família muda para um novo bairro. A vantagem de trabalhar com crianças é que não há espaço para tragédias como aquela narrada em "Meninos não Choram". Celine combina a atmosfera lúdica das brincadeiras de criança com as ambiguidades das identidades de gênero, temperando com uma boa dose de humor. Para completar, as crianças são fantásticas, colocando qualquer atriz mirim global no chinelo.
Além de "Tomboy", fazem parte do line up lésbico do Festival de Berlim "She Monkeys", de Lisa Aschan, "Utopians", de Zbigniew Bzymek, "Romeos", de Sabine Bernardi, Lollipop Monster, de Ziska Riemann, "Lipstikka", "Ashamed", de Kim Soo-Hyun, La Ducha, de Maria Jose San Martin (um curta chileno, ótimo!) e o excelente "The Mountain", de Ole Gaever.
Isso sem contar com os filmes que estão sendo exibidos na feira e que eventualmente podem ganhar projeção nas telas brasileiras. No que depender de mim, um desses títulos já está garantido. Na sexta-feira, fechei contrato de licenciamento do primeiro filme com temática lésbica da Festival Filmes, "La Llamada" (foto à dir.), uma história de amor entre duas mulheres que decidem transformar suas vidas situadas entre Buenos Aires e Patagônia. O único "defeito" do filme é ter sido dirigido por um homem (Stefano Pasetto). Aposto então na sensibilidade e delicadeza da narrativa para conquistar o público feminino.
* Suzy Capó é presidente da Festival Filmes, primeira distribuidora de filmes de temática LGBT no Brasil.