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Direto da Berlinale: Uma análise dos filmes LGBT que se destacaram no Festival de Berlim

Foi preciso o tempo de uma viagem intercontinental para ganhar uma perspectiva sobre esses dez dias de imersão no universo do cinema. Além da emoção estética proporcionada por cada um dos filmes assistidos, um festival internacional permite enxergar como os filmes de temática LGBT se inserem em um contexto maior. Quais são os temas comuns, que tipo de diálogo que se estabelece entre as produções experimentais e de baixo orçamento apresentadas na seção Forum e as grandes produções destacadas na competição?

Os relacionamentos, a necessidade de se conectar com o outro e de fazer dar certo esse encontro foram temas predominantes nos filmes a que assisti, inclusive em produções que não têm nada a ver com minha garimpagem LGBT, como, por exemplo, "The Future", de Miranda July. Tematicamente ele se aproxima de filmes como "The Mountain", de Ole Giaever, ainda que a abordagem formal seja totalmente diferente.  Em ambos os filmes casais investem na reconstrução de seus relacionamentos.

A complexidade das relações humanas também é bem explorada tanto no drama adolescente "She Monkeys", de Lisa Aschan, quanto no quase thriller "Looking for Simon", de Jan Krüger. No primeiro, duas adolescentes tentam conciliar suas aspirações com os sentimentos confusos que sentem uma pela outra, enquanto no segundo uma mãe convoca o ex-namorado do filho para tentar descobrir o paradeiro do rapaz desaparecido há alguns dias. Durante a busca, eles acabam descobrindo aspectos desconhecidos de Simon, sugerindo que as pessoas trazem dentro de si um mistério muito maior do que se possa imaginar.
 
A necessidade de conectar-se com o outro é levada a extremos no primeiro filme polonês sobre o universo emo, "Suicide Room", de Jan Komasa, e no longa-metragem vencedor do Teddy Award, "Absent" (foto), de Marco Berger. Nesse último, um rapaz obcecado pelo professor coloca em risco a carreira do mestre para passar uma noite em sua casa. As consequências são outras, ainda mais extremas.

Já em "Suicide Room", um adolescente riquinho e mimado é tragado para dentro do second life, mais especificamente para um espaço que reúne suicidas, depois de um episódio que pode ser considerando como bullying na escola.

Por falar em bullying, filmes que falam da descoberta da sexualidade e que problematizam a homossexualidade dos personagens ficaram fora da seleção de longas deste ano. Mas questões relacionadas à identidade de gênero foram representadas em "Romeos", de Sabine Bernardi, e "Tomboy", de Celine Sciamma. Nesse último, de longe o filme que mais gostei entre os que concorrreram ao Teddy Award, uma menina aproveita a oportunidade de se "tornar" um garoto, quando sua família se muda para um novo bairro e ela é confundida com um menino por uma garota do prédio. 

Além de apresentar um elenco excepcional, o filme da cineasta francesa tem todo um frescor e momentos de absoluto deleite cinematográfico, confirmando Celine Sciamma como um dos maiores talentos surgido nos últimos anos no cinema LGBT. Aliás, ela e Marco Berger, que também é diretor gay assumido e interessado em explorar aspectos da experiência homossexual. Os dois apresentaram em Berlim seus segundos filmes.

Enquanto Berger e Sciamma se destacaram por apresentarem propostas estéticas cheias de personalidade, o mesmo não pode se dizer dos documentaristas desta edição. Com exceção de Marie Loisier, que dirigiu o premiado "The Ballad of Genesis e Lady Jaye", Thunska Pansittivorakul, diretor de "The Terrorists" e de Tomer Heymann, com "The Queen has no Crown", pouco se ousou no campo do documentário.  O que se viu foi uma sucessão de retratos de personalidades fascinantes, como por exemplo Bruce LaBruce, em formatos que cabem na tela de televisão.

Os curtas-metragens elegíveis ao Teddy Award também não entusiasmaram muito, tanto é que o júri resolveu dar o prêmio a dois filmes de Barbara Hammer, indicando que gostaria talvez de ter visto propostas mais inovadoras, perfeitamente possíveis no formato. Eu, particularmente, gostei bastante da maioria, e especialmente do fato de haver dois filmes chilenos concorrendo, muito bons por sinal.  

De uma forma geral, a seleção deste ano foi morna. Olhando em retrospectiva, nenhum desses filmes viajou comigo de volta ao Brasil. É uma pena, pois frequento a Berlinale desde 2004 e nunca vi tanto destaque na mídia para a produção de cinema LGBT, em função dos 25 anos do Teddy Award. Por outro lado, o destaque alcançado por diretores jovens como Celine Sciamma e Marco Berger sugerem um futuro promissor para a representação queer no cinema.

* Suzy Capó é presidente da Festival Filmes, primeira distribuidora de filmes de temática LGBT no Brasil.

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