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Diretor de curta com Ney Matogrosso prepara documentário sobre cantor; Confira entrevista

Um dos mais emblemáticos cantores brasileiros, Ney Matogrosso, será retratado em breve em um documentário dirigido pelo cineasta carioca Joel Pizzini.

"Olhu Nu", que ainda não tem previsão de estreia, abordará algumas fases da vida do cantor. Na equipe do documentário, está também Rafael Saar (foto), diretor do delicado "Depois de Tudo" (2008), curta-metragem de 12 minutos em que Ney Matogrosso vive um homem casado há 35 anos, que mantêm um relacionamento extraconjugal com outro homem (interpretado pelo ator Nildo Parente). O filme recebeu 7 prêmios, incluindo Melhor Ator para Parente no Festival de Cinema de Brasília.

Graduado em Cinema e Vídeo pela Universidade Federal Fluminense, Rafael Saar tem ainda outro desafio pela frente: uma cinebiografia sobre a cantora Baby do Brasil. Para falar sobre esses dois projetos, o site A Capa conversou com o cineasta, que aproveitou também para opinar sobre a recente representação do gay na cinematografia nacional. Leia a seguir.

 
Onde você foi buscar referências para filmar "Depois de Tudo"?
"Depois de Tudo" é resultado de um momento em que eu estava estudando o cinema de poesia de Pasolini, Tarkovski, Kieslowski, e o trabalho do Joel Pizzini no Brasil. Uni esses elementos poéticos em uma história que tivesse personagens que eu nunca tinha visto nem nos cinemas, nem na TV, que é esse casal de gays mais velhos. Fora isto eu queria um filme que fosse "rápido e fácil" na feitura, com equipe pequena, uma só locação e um dia de filmagem.

Como aconteceu o convite a Ney Matogrosso? Por que a escolha do cantor?
Ney já havia trabalhado comigo em outro curta-metragem que ainda está em fase de finalização, "Homem-ave", e eu comecei a fazer assistência de direção e pesquisa para o documentário que o Joel Pizzini está fazendo sobre ele ["Olho nu"]. Tínhamos um contato frequente e eu levava vídeos pra ele ver, e um dia levei o roteiro. Eu já estava procurando atores há alguns dias e não conseguia encontrar ninguém. No mesmo dia eu estava levando o roteiro para o Nildo Parente, que eu havia conhecido numa exibição de "Cleópatra", do Júlio Bressane, e os dois leram e toparam. Isso trouxe um ânimo para o filme, ter o Nildo Parente, que já fez mais de 60 filmes nacionais, e o Ney, que havia feito dois filmes na década de 80 e agora iria voltar a atuar. Ney é um ator que canta e traz uma carga de significação sexual muito grande, que acrescenta muito em uma compreensão do filme.

Foi muito difícil conciliar as filmagens com a agenda de Ney?
A limitação de filmarmos em um fim de semana já vinha antes do Ney entrar para o filme, então não mudou nada.

A homossexualidade, no curta, é tratada de maneira muito sincera e delicada. Houve quem não entendesse a mensagem?
O filme tem uma narrativa muito simples, fácil de entender, mas mostrar personagens tão comuns e ao mesmo tempo fora dos padrões estéticos das produções contemporâneas causa um desconforto, que vem justamente do preconceito. E neste caso temos novos padrões de personagens gays, que se antes eram de gays caricatos, em papéis cômicos, hoje em dia são jovens, bonitos, malhados e extremamente masculinos. É o caso de inúmeros filmes como "O Segredo de Brokeback Mountain" (Ang Lee) e o recente "Do Começo ao Fim" (Aluizio Abranches).

Como você próprio vê a homossexualidade na melhor idade? Você acredita que o filme conseguiu traduzir essa fase da vida?
Um aspecto que abordo em "Depois de tudo" é a solidão do homem. O homem aprende a viver bem sozinho com o tempo e, das dezenas de amigos da juventude, resta muito pouco. O personagem do Ney insinua que tem uma outra vida fora aquela que vemos no filme, seja com uma mulher e outra família, outro homem ou até mesmo uma mãe que ele pode ter que cuidar, o que é muito comum. O que muitas vezes as pessoas não conseguem entender, e acabam vendo uma melancolia no filme, é que a solidão não é um problema, mas natural.
 
O reconhecimento da crítica foi evidente e "Depois de Tudo" levou prêmios de festivais importantes. Você acha que isso foi suficiente para trazer à tona e colocar em discussão a temática de seu curta?
Os prêmios trazem um espaço na mídia que é muito difícil para o curta-metragem de um modo geral. O mais importante da discussão toda é pararmos de criar um padrão que deva ser seguido. Devemos questionar todo padrão estabelecido e acho importante começarmos a nos ver retratados em todos os sentidos.

O que falta para isso acontecer de fato?
No cinema, principalmente no curta-metragem, temos uma liberdade muito maior que na TV, por exemplo, que por ser um veículo publicitário ainda se nega a dar qualquer passo. Na novela "Poder Paralelo", na Record, eles gravam as cenas lésbicas que depois não vão ao ar. O dia em que os atores, autores e diretores exigirem respeito ao seu trabalho, a coisa muda na TV. No cinema a questão é um pouco diferente, mas falta ousadia e sinceridade.

Além desse documentário sobre Ney Matogrosso, o que você está preparando para o futuro?
Atualmente estou filmando um documentário sobre a cantora Baby do Brasil (ex-Consuelo). É o primeiro longa-metragem que dirijo e vamos filmar até final de 2010, fazendo viagens com Baby, gravando shows e cultos de sua igreja, para resgatar toda sua trajetória artística e sua busca espiritual. Filmamos em São Paulo na Virada Cultural e no carnaval de Salvador, nas apresentações dos Novos Baianos. Baby é uma das grandes cantoras do Brasil, e talvez devido a sua entrega a essa busca espiritual, é taxada de louca e acaba injustiçada.

* Fotos: Gabriel Chiarastelli e Angelo Zolini

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