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Disparatada: 2012, o ano do orgulho hetero!

Quando a notícia de que os vereadores de São Paulo aprovaram o Dia do Orgulho Heterossexual, de autoria do vereador Carlos Apolinário (foto), começou a provocar polêmica e vergonha entre grande parte dos eleitores paulistanos, fiquei curioso para conhecer as justificativas de tal iniciativa. Logo consegui encontrar o texto aprovado no Google. Afinal, o que não encontramos por lá?

No entanto, o que li não vale a pena reproduzir aqui. É mais raso do que qualquer bem intencionado possa suportar. Penso que houve aí uma grande perda de oportunidade. Já que se propôs tal projeto, ao invés de na motivação da lei terem reforçado o preconceito contra não-heterossexuais, porque não buscaram salvar os heteros das suas próprias opressões?  Deveriam por em debate que as coisas como estão não são boas para ninguém, nem mesmo para eles.

Por que não justificar o dia do orgulho hetero considerando a heterossexualidade compulsória (que a todos nós recai) uma forma limitadora de vivenciar a sexualidade? Afinal, ela busca reduzir os corpos e os prazeres tornando-nos crentes na falácia da existência de uma prática sexual e uma vivência do desejo da qual não temos como fugir, natural. E, pior, crentes na mentira de que nossa experiência sexual está ligada enquanto destino e funções à biologia dos corpos, isto é, a possíveis reações hormonais e respostas sexuais que não podemos mudar.

O dia do orgulho hetero deveria ser aquele dia para denunciar o quanto é contraditório educarmos as crianças (sim, isso começa muito cedo) a "pegar todas" se for menino e se for menina "não pegar ninguém". Porque não repudiamos essa injustiça que atinge tantas pessoas, supervalorizando um masculino idealizado em detrimento de um feminino subalternizado?

O fato dos heterossexuais terem conquistado o direito ao divorcio no Brasil, dos heteros (especialmente as mulheres) terem sido contemplados por leis que criminalizam a violência doméstica e de haver possibilidades seguras e difundidas de prevenir a gravidez não seriam motivos suficientes para ter um dia "só para eles" festejar e buscar novas conquistas ainda mais libertadoras?

Todos estes ganhos são importantes porque nos fazem reconhecer que, para muita gente, a família e o casamento não são os lugares de maior proteção e acolhida. Mas, ainda há muito que avançar. Por isso, volto a defender que no ano de 2012 tenha um dia dedicado aos heterossexuais, ainda que eles não morram na mesma proporção que os não-heterossexuais por terem uma sexualidade e uma vivência do gênero diversificada do que se espera socialmente.

No sentido de reverter a lógica inicial do projeto do dia do orgulho hetero, pergunto: qual data poderíamos dedicar aos heterossexuais? Qual dia do nosso calendário poderia ser marcado identitariamente como símbolo da luta dos heteros, entre outras coisas, para buscar mais gente comprometida com as causas que não são só deles, mas aprendemos que são apenas eles os responsáveis, como a louvável luta pela descriminalização do aborto e por uma moral menos monogâmica?

Talvez nos dias dos pais ou das mães, afinal há maior injustiça do que a mulher crescer aprendendo que só vai ser plena se engravidar e parir? Não é sofredor o homem só ser autorizados e visto como não perigoso em relação às crianças quando veste a aparência assexuada de papai? O slogan poderia ser: "Todos contra o amor romântico!".

E que tal no dia 25 de dezembro? Por ser uma festa cristã, poderíamos olhar para outras dimensões da sagrada família que estão quase sempre escondidas: Maria era absolutamente mais jovem que José, ele assumiu um filho que não era dele, estavam com os animais devido a serem portadores de muitos estigmas – pessoas tidas como indesejadas e miseráveis.

Outra data sugestiva poderia ser os dias da folia de Momo. Porque, se há certa "liberdade" sexual para os heteros, essa "liberdade" (ainda bastante conservadora) ocorre nos dias de carnaval. Parece que para eles estes dias são esperados porque algumas convenções e normais de gênero e sexualidade podem ser flexibilizadas, como mulheres exporem mais seus corpos e homens se vestirem de mulher. No entanto, vale a pena lembrar que esta flexibilização no fundo reforça as regras que são cobradas o ano todo: de que mulher não pode se expor e que homem não deve ser feminino.

Ah, mas acho que parada do orgulho hetero não deveria existir. Creio que a luta hetero poderia começar ganhando visibilidade dentro das casas, nas camas, cozinhas e banheiros. Seria um dia ideal para reunir a família e dizer coisas que não são ditas. Propor coisas que não são bem vistas, reverter lógicas e criar confusão.

Mas, se for mesmo ter que caminhar unidos pelas ruas e avenidas, que seja em prol da vergonha! Da importante manutenção da vergonha que é ser visto como alguém que não se dá o respeito, da transformadora vexação de assumir que não se acredita na família tradicional, de que não se está preocupado em amar para reproduzir e do papel importante que é a humilhação de assumir que se vive uma heterossexualidade que não é a esperada socialmente.

Os gays também poderiam ir a esta caminhada. Há muitas coisas que os gays precisam aprender com a vergonha alheia. Quem sabe vão se sentir menos orgulhosos com o respeito vindo via o conservadorismos de se adaptar às regras heterocentradas? Por isso que o dia do orgulho hereto pode ser importante, para contrapor uma onda de moralismos que está para além da própria heterossexualidade. Viva o dia do orgulho (da vergonha) heterossexual!

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

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