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Disparatada: A causa dos gays deveria ser também a causa indígena

A imagem mais linda das últimas semanas é, sem dúvida, os políticos correndo com medo dos índios. Acho que os políticos tinham que correr também dos gays que têm menos direitos do que quem não é gay; dos negros e negras ainda sem acesso às universidades; das mulheres que sofrem cotidianamente com a violência sexual no Brasil, das crianças pobres e seus pais que ainda não tem atendimento médico de qualidade; das famílias sem terra que incansavelmente lutam pela reforma agrária; dos/das adolescentes que estão sendo ameaçados/as pela ideia da redução da maioridade penal.

O protesto indígena dessa semana na Câmara dos Deputados em Brasília é sério, organizado, pacífico e legítimo. Não tem nada de baderna e confusão. E, mesmo se tivesse, uma pitada de revolta não faz mal a ninguém, ainda mais diante dos últimos acontecimentos em relação à questão dos direitos humanos nesse país. Por isso, é urgente sabermos nos mobilizar para nos fazermos ouvir. 
 
No que se refere à discussão dos direitos das “minorias”, às vezes temos que sair do prumo. Por exemplo, como fizeram os indígenas, ir onde não somos chamados ou não somos autorizados.  Afinal o que se tem entendido como comportamento democrático e respeitoso está completamente equivocado. Um político, como se viu na TV, acusando os índios de desrespeitarem a democracia é o cúmulo do absurdo! O mesmo se passou em dias anteriores quando outro político tido como racista e homofóbico pediu para que negros e gays o respeitassem.
 
No entanto, cabe lembrar, que democracia não é apenas dar opinião sobre o que se quer, da forma como se quer. Democracia é mais do que isso. É garantir participação em prol de quem mais precisa. Não é ditadura da maioria, e nem liberdade de expressão sem responsabilização. Precisamos nos mobilizar para denunciar que essa democracia ainda não está consolidada em nosso país. Isso serve para a turma do inFelciano, mas também para quem acha que tudo vai se resolver quando os gays tiverem alguns direitos garantidos. 
 
Essa mobilização passa, necessariamente, por uma visão mais solidária e menos identitária/sectária dos nossos direitos. Não é possível se dizer na luta por direitos humanos apoiando apenas um seguimento da humanidade e, inclusive, querendo que outros humanos continuem sem direitos. Enquanto não heterossexual é fácil dizer-se defensor dos direitos humanos fazendo campanha para a criminalização da homofobia, mas quero ver ir ler e se informar para aprender a reconhecer a importância da descriminalização do aborto ou a urgência em defender a não redução da maioridade penal no Brasil. 
 
Há mais gays negros e negras fora da universidade que gays brancos, há mulheres lésbicas e bissexuais que são vítimas de certas violências por serem mulheres e não necessariamente por não serem heterossexuais. Não estou dizendo que há uma soma de “opressões” e que é a maior vítima quem tem mais motivos para ser estigmatizado em nossa cultura. Nem quero apagar as especificidades das múltiplas violências. Mas, como várias feministas têm afirmado, as “opressões” não se somam, mas se articulam, constituem-se umas às outras. E, se queremos nos ver menos “oprimidos”, teremos que nos juntar.
 
Mas, como se juntar se somos identitariamente tão diferentes? Podemos nos unir pelo que temos de igual: a exclusão, a marginalização, a falta de acesso aos direitos, a estigmatização, o não reconhecimento. Somos muito mais iguais por sermos tidos como menos humanos do que podemos imaginar!
 
Além disso, os nossos inimigos também são os mesmos. Quer maior motivo do que esse para nos compreendermos como uma comunidade muito maior do que a de gays e lésbicas? Os mesmos políticos que nos negam direitos estão tentando colocar adolescentes na cadeia junto com os adultos, criminalizam religiões de matriz africana, estão negando direitos a mulheres, estão contra a reforma agrária, estão com medo dos índios…
 
O que temos que compreender é que ou lutemos por uma sociedade justa e igualitária para todos/as, ou não vamos viver no mundo que temos sonhado (espero que nossos sonhos sejam o da igualdade para todos). E isso, não é diluir a nossa luta, é ser estratégico para compreender que se o mundo e as violências cada vez se caracterizam e articulam de formas diferentes (mas não menos perigosas), nossa forma de nos organizar não pode deixar de mudar.
 
Nesse sentido, o protesto dos índios na Câmara dos Deputados deveria também ser o nosso. A demarcação de terras indígenas no Brasil deveria ser motivo de luta também dos gays, não somente porque são vistos – gays e índios – como “minorias”, ou nem mesmo só porque há índios se afirmando como gays em algumas comunidades, mas porque ao assumirmos essas categorias, deveríamos também compreender que somos igualmente humanos e temos os mesmos direitos a serem conquistados: o de não morrermos devido às nossas diferenças.

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

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