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Disparatada: Esporte, putaria e novela!

Futebol não é um assunto que eu conheço bem, nem sei jogar. É meio estranho não conhecer muito bem um assunto que é pauta obrigatória em quase todas as situações em que se quer puxar assunto, ou parecer simpático. A pergunta "pra quem você torce?" só perde para "será que vai chover?".

Mas, às vezes, busco ouvir ou ler alguma coisa sobre o assunto, no fundo porque este tema com frequência aparece relacionado com outros que me interessam mais, como preconceito e prostituição. Eu, como vários amigos e amigas, achamos que o futebol nos revela muita coisa para além do gramado e de um aglomerado de homens e mulheres aparentemente unidos pelo jogo disputado.

Com a chegada da copa em nossas terras, comecei a me interessar mais, não que pretenda ir ao campo admirar os jogadores e "os seus passes", como muitos e muitas que conheço, mas, por ser um tema absolutamente mercadológico, é um período crítico, vulnerável e de muita inversão de valores, no qual devemos ficar atentos.

Não é a toa que já começamos perdendo, por exemplo, com a poderosa iniciativa de anulação "temporária" do direito garantido aos estudantes e idosos de pagarem meia entrada nas partidas. Um absurdo! Não é porque eu não vou, que devo ficar alheio às injustiças. Se aprovarem, estaremos derrotados e desmoralizados!

A bebida alcoólica também deverá ser liberada, sob os bons interesses do mercado, o lucro com a bola. Não vejo problema em as pessoas beberem, mas é lamentável saber das justificativas do porque as pessoas devem beber. O incentivo à bebida alcoólica tem se justificado, não por uma sociedade menos autoritária em relação ao uso do álcool em espaços de sociabilidade (públicos ou não), mas à possibilidade de uns ficarem ainda mais ricos do que outros, seja via a propaganda, seja via ao próprio consumo. Por isso, o problema é muito maior do que a contradição na associação de esporte-saúde e cerveja-alcoolismo, mesmo porque há muitas práticas pouco saudáveis relacionadas ao esporte, assim como o álcool também pode fazer bem a saúde.

Penso que nesses interesses esportistas-capitalistas não exista nada de honestidade! No entanto, para quem gosta de futebol e pensa para além do prazer de ser um torcedor fanático, sabe que há injustiças e desonestidades muito mais graves do que esta, independentemente de qual time levanta a taça.

Sim, não é porque se trata de esporte que não existam sacanagens! Há muita putaria no esporte, no mal sentido da palavra. Mas, há também muita honestidade na putaria, há muitas regras na zona, como costuma dizer uma amiga que estuda prostituição. Bagunça nem sempre combina com sexo pago.  Nos prostíbulos, mesmo com a infeliz existência de certos contextos de violência e exploração (que devem ser denunciados), muitas coisas funcionam melhor do que em muitos campos de futebol, mesmo porque eles também não estão livres de ser palco de diversos tipos de agressões.

No entanto, na novela "Fina Estampa" a lógica é outra. Lá, fizeram o personagem michê trocar a prostituição por algo "mais honesto"- para usar as próprias palavras dos personagens que "salvaram" o rapaz do sexo pago oferecido nas ruas turísticas do Rio de Janeiro. Isso me deixou indignado! Como assim? Desde quando podemos afirmar que o esporte é mais honesto do que a prostituição? Se eu entendo pouco de futebol, o que os autores da novela entendem de prostituição?

E não me venha justificar que o público ficaria escandalizado em ver a verdade na telinha. Faz tempo que os valores das novelas são muito mais dos donos da emissora do que do povo nas ruas. Vocês já imaginaram se o povo escrevesse as novelas? Entre outras surpresas, não tão agradáveis, todo mundo estaria jogando futebol e curtindo uma boa putaria. E, isso, por si só, não tem nada de imoral, nem mesmo de desonesto.

A honestidade é marcar registrada de muitos prazeres sexuais pagos com dinheiro suado de milhares de trabalhadores clientes do mercado do sexo Brasil a fora, muito bem negociados por muitas mulheres que sabem que são donas dos seus corpos.

Na novela, o mais surpreendente foi que o olhar e a atitude de repressão não vieram do Estado, através da polícia, como normalmente ocorre com prostitutos. Foram outras instituições, igualmente repressivas, mas estrategicamente armada de outras possibilidades de controle que atuaram sobre o moço. Foi a família, tão decadente como a polícia, que foi tentar reprimir a legítima negociação dos prazeres na rua.

Legitimada como a força policial, uma mãe entrou em cena na noite escura. As lágrimas revoltantes e cheias de vergonha da mulher coibiram o trabalho tido erroneamente como desonesto do filho. Depois, vieram as práticas esportivas, sob a justificativa que era mais honesto ganhar dinheiro de outra forma, usando o corpo em outra labuta. Será que a TV seria capaz de queimar os produtos das grandes marcas patrocinadoras da copa que tem buscado acabar com direitos garantidos no Brasil como a mãe do personagem michê queimou as roupas de marcas famosas compradas com o seu dinheiro suado de puto?

Agora, assistimos o ex-prostituto moralizado e careta lutando em uma academia qualquer em busca do seu ganha-pão. Depois de esportista famoso, de se tornar um lutador reconhecido como se fosse jogador de futebol, para o auge do que a TV chama de honestidade, só faltará o garoto filho de uma mãe negra se casar com uma linda jovem de pele mais clara do que a sua. Aí sim, tudo fica lindo, saudável, limpo, honesto e vitorioso. Ou alguém acha que a história do recém convertido michê terá outro fim na novela das oito?

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

 

 

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