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Disparatada: Por um “mundinho gay” menos machista e misógino!

Ao ler as mensagens deixadas no Facebook no domingo de manhã fiquei com uma dúvida: porque tantas pessoas lamentavam o fato de não poderem estar na Parada LGBT de São Paulo? Como, apesar de eu apoiar e defender a manifestação, tenho cada vez me identificado menos com ela, não foi possível entender porque tanta frustração daqueles que não puderam ir.

Mas, um grupo de pessoas me chamou mais a atenção. A sua visibilidade na rede se dava exatamente devido ao motivo pelo qual essas pessoas não puderam estar lá, ou pelo menos, não puderam estar lá da forma como queriam e tinham direito. Era um grupo de travestis e transexuais, ativistas do Estado de São Paulo e, inclusive, formado em parte por anfitriãs (moradoras) da própria cidade que acolhia as milhares de pessoas no evento do fim de semana.

Não é novidade para ninguém que as paradas comumente (não podemos generalizar) é um espaço misógino e machista, se não fosse assim não precisariam ter criado, na própria cidade de São Paulo, uma marcha no dia anterior para visibilizar questões específicas de mulheres lésbicas ou bissexuais. Mas, como puderam dificultar a visibilidade de travestis e transexuais em uma festa que se propõe a acabar com o preconceito? Logo as maiores vítimas da violência segundo os dados de todas das pesquisas sobre homofobia no Brasil?

Ao justificar o motivo pelo qual as travestis não seriam aceitas no primeiro carro do evento, o trio elétrico oficial, o porta voz da organização disse: "o trio oficial da Parada, o chamado carro oficial acabou ficando apertado para o grupo de travestis pois terá a presença de políticos como Marta Suplicy, Jean Wyllys e o governador Geraldo Alckmin, que virá com uma comitiva de oito pessoas".

Será que Marta Suplicy e Jean Wyllys, defensores dos direitos humanos, sabendo que estavam ali ocupando lugar das travestis e transexuais subiriam neste trio elétrico? E, onde estava o governador do Estado e a sua comitiva quando a polícia invadiu o bairro Pinheirinho na cidade de São José dos Campos? Onde eles estavam quando os negros da USP foram agredidos?

Para aqueles que acham que esses questionamentos não têm nada a ver, pergunto: vocês acreditam que não tinha bicha pobre no bairro massacrado pela polícia sob a autoridade do governador? Acreditam também que não tem pintosas/efeminados negros na universidade de São Paulo? E, mais, ainda que só tivessem heterossexuais no Pinheirinho e estudando na USP, ou defendemos os direitos humanos de todos os considerados menos humanos, inclusive daqueles heterossexuais pobres e negros, ou não podemos dizer que queremos um país mais democrático e justo.

Depois de tanta luta, às vezes a sensação é a de que voltamos ao ponto zero. Segundo as travestis "barradas" na maior Parada LGBT do mundo, a questão passou por uma ideia de negação do corpo, mas, não a negação daqueles corpos másculos, sarados, depilados e de sungas. Os corpos moldados segundo a lógica hegemônica do desejo de boa parte da "comunidade gay" estavam todos lá, em destaque.

Os paradoxos nesse caso são absurdos! Em um dia de visibilidade, foi sugerido a elas que, numa tentativa de reivindicar a inclusão, deveriam se fantasiar de trabalhadoras e não mostrar os peitos em cima dos trios. Como se as ativistas travestis e transexuais saíssem por aí de peitos de fora! No entanto, elas aceitaram. Mas na última hora a comissão da Parada LGBT destinou a elas um trio da festa que faz parte daqueles carros que desfilam na hora em que quase todas as autoridades e a imprensa já foram embora e que uma parte das pessoas já bebeu o suficiente para não prestar tanta a atenção em quem vem sobre os carros.

Em vez de aproveitarem a oportunidade e fazerem uma campanha pública para que todas mostrassem os peitos em prol dos direitos, como têm feito as jovens feministas nas marchas das vadias ou contra a exploração sexual em países da Europa, os organizadores se limitaram em apenas negar a acusação. E ainda justificaram que há travestis e transexual na comissão organizadora. Infelizmente, eles não entendem que a questão não é simplesmente incluir, mas tornar a causa das mais agredidas entre nós como sendo a nossa própria causa. Basta de sopa de letrinhas! Precisamos nos tornar um caldo grosso e nojento de engolir!

Isso me fez lembrar aquelas travestis guerreiras de décadas passadas, que apontavam o dedo para os gays respeitáveis dizendo: "Se assumam! Criem coragem! Saiam do armário". "No fundo, vocês querem ser iguais a nós e não conseguem". Diziam exatamente o que muitos homens gays falam para o homofóbicos de plantão.

Infelizmente, no último domingo, perdemos a oportunidade de radicalizar. De esfregar os peitos na cara do governador e gritar: "respeito não! Direitos, querido!" Perdemos, por mais triste e contraditório que isso possa parecer, a grande oportunidade de nos tornarmos menos machistas e misóginos, de ampliar as nossas categorias de humanidades e as frentes de lutas por um mundo sem preconceitos.

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

 

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