Olá queridas leitoras! Que todas nós sejamos iluminadas nessa semana com milhões de coisas boas e suaves, porque às vezes é muito triste ter que presenciar situações como a que vou lhes contar.
Semana passada foi Dia das Mães e todas nós sabemos que, como tantos outros dias festivos, ele foi criado pelo capitalismo para que as vendas subam e o mercado de consumo continue a girar e blá, blá, blá. Porém, as que tem mães e que são mães, como eu, acabam por se contentar com os presentinhos e carinhos extras por conta do dia.
Pois bem, não foi o que aconteceu a M. (vou ocultar seu verdadeiro nome por razões óbvias de preservação da identidade de paciente, mas ela concordou e pediu que sua história fosse relatada). Há uns dias atrás, ela veio a mim questionando sobre contar ou não aos filhos, uma menina de 6 e um menino de 4 anos, que a tia R., além de ser sua melhor amiga, é também sua atual namorada.
Após muito pensar, juntas achamos uma solução: ela decidiu que contaria a eles e a sua família. Antes de se assumir lésbica, M. era casada e vivia insatisfeita enquanto mulher e com relação a sua sexualidade, uma vez que desde muito cedo sabia que gostava de mulheres. Entretanto, em consequência de sua criação e do meio que ela estava inserida, acabou conhecendo V., o homem com quem se casou, e teve dois filhos.
A vida para M. só não era vista como uma tortura porque um de seus sonhos era ter filhos. Talvez a forma mais “adequada” que ela encontrou para realizar o sonho foi se casar com V., que, segundo ela, no princípio do relacionamento chegou a deixá-la em dúvidas sobre seus anseios e desejos. Porém bastaram alguns meses para que ela soubesse que estava enganada: ele se tornou frio e bastante egoísta.
Pois bem, os anos se passaram e M., em sua redoma, vivia como esposa e mãe extremamente dedicada. Até que um belo dia, num curso de pintura, conheceu R..
R. foi sua primeira paixão real, com ela pode realizar seus desejos enquanto mulher e começar a se sentir viva e feliz de verdade (ela diz que só se sentiu assim quando foi mãe). As duas passaram a se ver com certa constância e M., apoiada e confortada pelo seu amor, decidiu se separar de V..
Nesta época, ela procurou minha ajuda dizendo que precisava se fortalecer para o duelo, fato que considerei justo, uma vez que sua vida estava mudando com rapidez e, talvez intuitivamente, ela sabia pelo que iria passar.
V. se tornou um homem amargo, ele não conseguia imaginar o que estava acontecendo. Às vezes a cegueira do machismo e de uma personalidade extremamente egóica, torna alguns homens incapazes de perceberem o incomodo que o outro está sentindo no relacionamento. A separação aconteceu muito a contragosto da parte de V. Ele aceitou os termos legais, M. ficaria com a guarda dos filhos e continuaria a morar na casa em que viviam.
Ele passou a ser cada vez mais rude no tratamento com M. e se distanciou consideravelmente dos filhos. Talvez isso tenha contribuído, em partes, para R. se aproximar deles com mais liberdade e se sentir cada vez mais apegada aos dois. Assim, por dois anos, a história seguiu: M. continuou a morar com os filhos, arranjou um emprego e hoje pensa em morar com R., assumindo a relação.
M. entendeu que sua família deveria saber da sua nova vida e o quanto ela está feliz. Extremamente apegada à mãe, que sempre foi uma grande amiga, M. não queria viver escondida e ocultar a verdade sobre o que sente por R.. Foi pensando assim que decidiu abrir o jogo há duas semanas, quando contou aos pais e filhos o que realmente estava acontecendo com ela.
A reação dos filhos foi a melhor possível porque, além de adorarem R., eles foram criados com informações suficientes para que o preconceito não os contaminasse. Os pais reagiram da maneira esperada, antiquados, temem pelos pequenos e pelo que a sociedade pode lhes fazer, além de questionarem muitas coisas como: o que as pessoas iriam pensar, como as veriam na escola dos filhos, se a “cabecinha” dos dois não iria ficar confusa e assim por diante. No entanto, M. mostrou a eles o quanto está feliz e quanto tempo esperou para contar-lhes; pediu, apenas, que a compreendessem.
Porém, o que assustou mesmo foi a reação inesperada de V.: sem dar qualquer aviso, passou na escola dos filhos e pegou os dois antes do fim das aulas. M. ficou atônita e sem saber o que fazer. A primeira atitude foi ligar no celular de V., mas acabou por ouvir enormes xingamentos e ameaças do tipo: “Meus filhos não vão morar com uma sapatão!”, “Vou tirá-los de você!”
Há uma semana, quando M. me contou sua história, ela estava vendo os filhos na porta da escola. Eles, claro, estão com medo, porque quando o pai vê que M. está à espera dos filhos, ele ameaça começar um escândalo. Para evitar constrangimentos para os filhos, ela está vivenciando essa situação, mas está ficando com medo do que V. pode fazer.
Em nossa última conversa ela pediu que eu comentasse sobre seu caso, disse que é uma forma de sentir o retorno da sociedade. Concordei com isso, pois acredito que é um jeito de todas nós nos colocarmos no lugar dela e nos imaginarmos em tal situação.
Eu particularmente gostaria que pudéssemos ajudá-la pelo menos com palavras de carinho, porque por mais que eu a aconselhe a procurar seus direitos junto à Justiça (se formos pensar a atitude dele caracteriza sequestro), ela teme retaliações. Ela pensa em outras maneiras de agir para que seus filhos voltem para ela o mais rápido possível.
O Dia das Mães de M. foi um pesadelo, assim como estão sendo todos os outros dias.
* Regina Claudia Izabela é psicóloga e escreve semanalmente neste espaço. Participe, envie perguntas ou comentários para o e-mail claudia@dykerama.com.