Menu

Conteúdo, informação e notícias LGBTQIA+

in

Documentário traz depoimentos de lésbicas brasileiras

“Sou Mulher, Sou Brasileira, Sou Lésbica”. Com esse título, o diretor Vagner de Almeida realizou um documentário em longa-metragem que monta um panorama da atual situação das lésbicas no país.

O filme está sendo exibido em festivais, universidades, congressos, fóruns e todos os lugares onde é requisitado. Fez parte das exibições de filmes no “24 Horas Contra a Homobia” em Brasília.

“O filme foi criado para isto mesmo, trazer um universo muito desconhecido para tantos dentro de uma sociedade tão homofóbica e religiosa”, afirma Vagner, que é coordenador do Projeto Juventude e Diversidade Sexual na ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS no Rio de Janeiro.

Fale um pouco sobre o filme. Por quê você decidiu realizar um documentário sobre lésbicas?
Primeiro por se tratar de um tema que temos a obrigação de tê-lo na pauta de Políticas Públicas. Mas, na verdade, a decisão já havia sido feita há muito tempo, só estava esperando a hora para iniciá-lo e ter a certeza que iria finalizá-lo como queria. Afinal, o tema é delicado, mesmo que esteja hoje em dia na moda se falar mais nele, ainda continua recheado de tabus e muita polêmica.

Este primeiro filme sobre mulheres lésbicas é a primeira parte de uma trilogia que pretendo realizar. Esse universo feminino é muito amplo e ninguém conseguirá desvendar todas essas cidadãs em um único filme, livro ou escultura, fotografia, música.

Quanto tempo levou a captação do material? Em quais cidades o documentário foi gravado?
Esse material venho arquivando por muitos anos. Para essa parte do filme foram mais de 500 mulheres entrevistadas, muitas acompanhadas em seu cotidiano, quando era permitido por elas.
Outras me deram todo suporte que necessitava, criando assim uma rede de mulheres, às quais eu teria como chegar, perguntar sem constrangimento para ambos: “O que é ser mulher e lésbica no Brasil?”, e as respostas foram as mais diferentes possíveis. Consegui garimpar algumas pérolas muito valiosas.
Consegui gravar de Norte a Sul, conhecer e continuar a conhecer mulheres lésbicas de todo Brasil, de todos os tipos, de todas as classes sociais.

Você acredita que as lésbicas sofrem mais preconceito do que os gays masculinos?
Certamente! Olhando e vendo o que é ser mulher no Brasil e no mundo, piorando quando saem da normatividade da heterossexualidade, ser mãe, esposa e o esteio da casa. Sem direito de decidir pelo seu próprio corpo, aí certamente a mulher lésbica sofre muito mais do que o gay masculino. Mas medir sofrimento é algo meio surreal, pois cada um sabe a sua dor e qual é a intensidade da mesma. Quando observamos os crimes de ódio cometidos contra a mulher lésbica, os requintes e resquícios de violências são aterrorizadores. Isto parte desde as agressões verbais até as mais cruéis fisicamente falando.

Durante a pesquisa, não houve uma mulher lésbica assumida, que não tivesse sofrido uma agressão ou dezenas delas na vida. Todas as formas de agressões foram mencionadas. Desde ao tapa na cara para tomar vergonha, passando por estupro e morte. Uma estatística alarmante. Partindo do núcleo familiar, entrando nas comunidades onde moram e nos locais de anonimato, a mulher aparentemente lésbica é uma vítima fácil dos homofóbicos e extremistas, dos machos e dos moralistas. Quando vamos mais adiante e vemos o próprio movimento LGBT esbarrando-se nos limites dos preconceitos, aí podemos concluir que, se a mulher lésbica não se impor, ela é completamente sufocada. Por isso, ela paga um preço muito e, acima de tudo, ainda tem que suportar paredes de segregação, até mesmo dentro do próprio movimento LGBT.

Na sua opinião, ainda existe a idéia de que as lésbicas com aparência feminina são mais aceitas do que as masculinizadas?
Sim. Tanto é que muitas mulheres que deram entrevista impuseram condições para falarem e não me permitiram fotografá-las ou filmá-las, pois até para pronunciar a palavra “lésbica” elas tiveram dificuldades de assimilar e assumir como sendo uma mulher lésbica. As mais fortes, as chamadas por muitos de caminhoneiras, coturnos, sapatões, cuecão, maria machão, encontram também uma resistência de convívio social com outras lésbicas menos fortes, com menos aparências de homens.

O interessante que percebi durante todo esse processo é que a sociedade em todos os setores não está preparada para nada, principalmente para a diversidade sexual. Por quê se aceita a lésbica sapatilha, aquela feminina, dengosa, fogosa, e há a dificuldade de inserir no mesmo espaço social a lésbica truncuda, machuda, fortona? Impressionante a disparidade do olhar da sociedade perversa, classista, não-estruturada e se achando muito avant-garde, muito moderna, mas no fundo é extremamente arcaica, lenta em perceber mudanças do século.

Outro fato importante, observado durante as filmagens, foi a questão de gerações. As mais jovens desdenhando as mais idosas. Muitas mulheres idosas, nunca se assumiram como lésbicas, mesmo morando com suas parceiras fixas. Mulheres de classe média alta foram as que menos quiseram dar entrevistas, serem filmadas, falar desse universo.

Famosas da mídia relatam que são conhecidas na mídia como lésbicas, mas não querem fazer parte da comunidade LGBT e nem falariam que são publicamente. Algumas visivelmente truculentas, mas não se assumiriam publicamente, mesmo toda sociedade sabendo que são mulheres lésbicas. Ainda carregam o estigma que, ao se declararem lésbicas, seu público pode discriminá-las ou perder espaço na mídia.

Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Vagner, clique aqui.

Sair da versão mobile