Papa Francisco promoveu nas últimas semanas um sínodo (encontro com bispos) em que discutiu, dentre outros assuntos, a relação da igreja católica com a comunidade LGBT. E o tom obtido pela tradicional instituição foi muito mais acolhedor, reconhecendo "qualidades" e querendo tratamento "fraternal".
No Brasil, algumas igrejas católicas – sim, não estamos falando das inclusivas – já mostraram estar à frente do Vaticano. Uma delas é a Paróquia Santa Ana, localizada no centro de Itaquera, em São Paulo, e que recebe com afeito seus fieis LGBT. Dentre eles, o ator, publicitário e maquiador Albert Roggenbuck.
Albert é ninguém menos que a drag queen Dindry Buck, figura bastante conhecida dos telegramas animados, que garante: foi acolhido e respeitado pelo padre e demais fieis, sem aquele preconceito velado como pano de fundo. Tanto que chega a se apresentar montada de drag queen nas festas de fim de ano e na creche.
"Depois deste sínodo, o padre comentou nesse domingo (19) que estamos à frente destas discussões, pois já respeitamos a todos os LGBTs que nos procuram. Ou seja, já acolhe todas as pessoas independente de orientação sexual, independente de gênero…", contou ela ao A CAPA, salientando que vai às missas todos os domingos e que acredita que a fé ajuda a superar as adversidades.
RELAÇÃO COM A IGREJA
Albert/Dindry tem relação com a igreja desde quando nasceu, na pequena São Francisco, em Minas Gerais. "O meu pai era padre e a minha mãe se apaixonou por ele. Eu nasci. Ele continuou como vigário, mas a cidade caiu em cima da minha mãe. Depois, diziam na rua: 'olha, o filho do padre'. E só pararam quando passaram e focar e a me xingar pelo meu jeito afeminado".
Frequentador de grupo de jovens, Albert teve uma formação católica e viveu momentos de conflito entre a sexualidade e a fé. Tudo mudou quando veio para São Paulo, conheceu outros iguais e viu que "ser gay é legal e normal". O primeiro beijo, por exemplo, ocorreu em frente da igreja aos 25 anos. A repressão acabou, mas a fé continuou forte.
A mãe Maria da Conceição, de 83 anos, sempre incentivou a felicidade do filho. "Não ofendendo ao Dono e à mãe, tudo vale. Quem julga é o criador e mais ninguém", diz. Quando soube que Albert queria ser drag, foi a mãe quem falou: "Vai lá e compra a sua peruca". Quando soube que ele estava com receio de aparecer montado na igreja, foi ela quem disse: "Vai com fé, você é convidada do padre, vai dar tudo certo".
E tudo deu mesmo! "A performance que fiz abalou as estruturas, mas foi muito importante para mim e para todas as pessoas. Mostrou uma grande evolução e respeito pela diversidade".
ELOGIAD@ PELO PADRE
Durante a gravação do programa "Os Reis da Rua", exibido pela TV Cultura, o padre Manuel Olavo comentou que o grande desafio da sociedade é conviver com as diferenças. E teceu elogios à Albert, ressaltando que na linguagem religiosa o fiel "é um homem santo".
"É um homem bom, muito especial e perseverante, de alma boa. É um santo com as diferenças, assim como eu tenho as minhas e todos nós temos diferenças. O grande desafio é conviver e aceitar a diferença, que é própria da cultura e da natureza humana".
Dindry diz que Papa Francisco veio trazer uma transformação e diz que a igreja, depois de fases "sombrias", como a inquisição, vem promover de fato os ensinamentos de Jesus Cristo: o amor ao próximo. "Papa está fazendo algo maravilhoso com a Igreja, uma mudança histórica do comportamento e acolhimento", diz.
A drag só não acha que o casamento gay deva ser celebrado tão cedo. "O casamento é um sacramento cujo objetivo é a união de duas pessoas para a procriação. Não acho que vá mudar, assim como ainda não vimos mulheres celebrando missas. Mas algumas igrejas já aceitam casais homoafetivos, que comungam e que não passam por nenhuma segregação. É um processo histórico e que eu acredito que vá melhorar ainda mais".
Amém!
Dindry na festa de confraternização da paróquia Santa Ana