Nem todos meninos gays sabem disto, nem todas meninas lésbicas pararam para pensar sobre. Mas, de verdade, a discriminação que todos sofremos tem uma mesma causa, uma origem comum.
A homofobia, o preconceito e discriminação contra lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais e gays têm um pano de fundo único, que é o machismo, o sexismo. Ou o que as feministas costumam definir como patriarcado (sociedades fundadas na dominação estrutural dos homens sobre as mulheres).
Quando um menino, na escola, é insultado com termos tipo “mariquinha” ou “mulherzinha”, o que vem à tona não é uma repulsa específica contra uma possível orientação sexual homo, coisa que está longe da racionalização da maioria das crianças. O que aparece quando os meninos são menosprezados assim é o preconceito contra o feminino. É expressão da hierarquização dos gêneros, construção que é feita pela família e pela escola, desde que o bebê está na barriga da mãe.
A idéia básica destes xingamentos é de que a mulher é inferior. Meninas choram, são fraquinhas, brincam de boneca e usam rosa. Meninos são fortinhos, agressivos, usam azul, jogam futebol e nunca choram. Essa construção dos estereótipos de gênero (onde o feminino é desvalorizado e circunscrito à esfera doméstica e o masculino é exaltado e impulsionado à esfera pública) é a grande base do preconceito contra homens gays, mulheres lésbicas, bissexuais, travestis e pessoas trans. E não só. Esse preconceito atinge todas as mulheres e todos os homens que não agem ou não gostariam de agir conforme esses estereótipos. Dos meninos que querem ler e dançar balé às meninas que jogam futebol e gostam de matemática.
Por isso, quanto mais distante somos do que é socialmente imposto pela normatização dos papéis de gênero, mais sofremos. Travestis são mortas e excluídas de quase tudo. Bichas afeminadas são mais discriminadas, inclusive no mundo gay. Lésbicas masculinizadas são estigmatizadas e repudiadas. Ou seja, quanto mais os homens se comportam fora do papel do machão e quanto mais as mulheres fogem do papel de donzela, mais se expõem à homofobia.
Os gays são tão discriminados porque se negam a cumprir o roteiro pré-estabelecido de homens duros, másculos, secos, agressivos e mandões, que vão conquistar donzelas virgens, casar, constituir famílias (pseudo-monogâmicas) e ter muitos filhos e filhas. É a idealização da família patriarcal burguesa. As lésbicas ou são invisíveis – e escapam dos olhos dos preconceituosos de plantão – ou são marginalizadas, como mulheres pela metade, que ousam construir uma existência (e até uma família) sem o sustento do homem, e ousam gozar sem o falo do macho.
Travestis, então, só merecem escárnio, violência e morte. Afinal, são homens que se vestem de mulher e transformam seu corpo em formas femininas, mudam seus nomes e querem implodir fronteiras entre o masculino e o feminino que a maioria advoga – ou crê – tão fixas e imutáveis.
Machismo e sexismo, patriarcado, discriminação contra as mulheres e estigmatização do feminismo. Esses são nossos inimigos. O ódio que milhões têm a todas/os nós, que ousamos amar alguém diferentemente do que foi ensinado, desde sempre, é uma construção sócio-cultural, historicamente determinada.
Por isso, o feminismo e as batalhas pela igualdade de gênero são estratégicas e unem todo o movimento GLBT e o movimento das mulheres.
Enquanto tudo que se referir ao feminino for subestimado e desvalorizado, a homofobia será um componente estrutural, no Brasil e no mundo. É isso que faz a luta feminista pela desconstrução da hierarquia de gêneros tão atual e universal.
* Julian Rodrigues é ativista do movimento GLBT, do Instituto Edson Neris (SP)