Conhecida e respeitada pelo trabalho que fez à frente das Edições GLS, selo do Grupo Editorial Summus especializado em livros dirigidos às minorias sexuais, Laura Bacellar assumiu o desafio de criar, em conjunto com outras importantes escritoras brasileiras, a primeira editora lésbica do país, a Editora Malagueta.
O objetivo da nova editora é renovar os caminhos da cultura lésbica nacional e legitimar a intensa produção que há nesse segmento. E mais ainda: o surgimento da Editora Malagueta irá, sem dúvida, contribuir para a visibilidade da literatura dirigida às mulheres, muitas vezes restrita às prateleiras de livrarias especializadas.
Em entrevista ao Dykerama.com, Laura Bacellar conta sobre a criação da primeira editora genuinamente lésbica do Brasil, fala sobre o aprendizado de ter coordenado o único selo até então dirigido a gays e lésbicas e critica o preconceito que ainda existe no mercado editorial de não incentivar autores homossexuais.
Dykerama.com – Como surgiu a idéia de montar a primeira editora para lésbicas do Brasil?
Surgiu de um grupo de amigas não encontrarem livros bacanas sobre lésbicas para ler. Parece incrível que, entre os tantos milhares de livros lançados todos os anos no Brasil, não haja um bom lote de literatura lésbica, mas eis aí: não há. Tem uma coisinha antiga aqui, outra escondidinha no meio de uma história chocha ali, uma terceira de uma mulher que se diz bissexual, aí outra de uma famosinha que declara ter tido um casinho… É uma chatice. Onde estão os livros escritos por lésbicas para lésbicas? De mulheres que já de largada assumem que amam mulheres e aí contem uma história interessante? Agora estão na Editora Malagueta.
Dykerama.com – Como funciona a Editora Malagueta? De que forma ela pretende se destacar no mercado editorial do país?
Nós pretendemos nos destacar justamente por essa linha editorial assumidíssima. Não temos mais paciência com subterfúgios, dubiedades, enrolações a respeito de homossexualidade feminina. A Malagueta é uma editora de obras lésbicas. Se serão apreciadas ou não, só as leitoras dirão. Mas pelo menos estamos entrando no mercado com essa postura diferente. Você por acaso conhece outra editora como a nossa? Em que todas as sócias sejam lésbicas assumidas? Idem a editora responsável? Que só vai aceitar publicar obras de autoras com a mesma postura? Em que as histórias serão dirigidas para um público também de lésbicas?
Dykerama.com – Como criadora das Edições GLS, que ensinamentos você pretende reforçar e repetir nessa sua nova empreitada?
Eu fiz muita bobagem mas também acertei alguns gols quando cuidava da GLS. Um dos acertos foi publicar autores nacionais, que pretendo reforçar na Malagueta. Só iremos traduzir em caso de algum livro muito, mas muito fascinante. Senão, vai ser produção brasileira mesmo. As pessoas querem ler algo nosso, com diálogos naturais, com o nosso jeito de paquera e tensão e drama.
Claro que dá trabalho incentivar uma escritora brasileira a dedicar-se a algo tão diferente quanto um romance lésbico, seria bem mais fácil traduzir. Não temos uma cultura de produção dessas obras, não temos um sistema de crítica e avaliação por leitoras e outras escritoras, não temos – ainda – autoras que sejam famosas em todo o país. Assim, as escritoras precisam ser pioneiras, de certa forma inventar um pouco do caminho conforme escrevem. E eu, como editora, também preciso adivinhar o que as leitoras provavelmente querem, sonham, estão dispostas a ler.
Publicar é um jogo cheio de riscos, sem nenhuma certeza do que vai dar certo, mas nós da Malagueta pelo menos pretendemos arriscar uma direção nova.
Dykerama.com – Como está estruturado hoje o mercado editorial para gays e lésbicas no Brasil? Há espaço para produtos segmentados?
Sim, há espaço para produtos do ponto de vista dos leitores, o que não há é uma forma estabelecida de divulgá-los e comercializá-los. O mercado é estranhamente tradicionalista, só gosta de dar espaço ao que já fez ou está fazendo sucesso. As livrarias montam vitrines inteiras de obras sobre cachorros fofos, por exemplo, depois da febre do Maley e eu, mas nenhuma se arrisca a dar destaque a obras gays para ver o que acontece, para mostrar um perfil diferente, para conquistar outro público leitor. Todo mundo faz a mesma coisa, parece que só existe uma livraria no Brasil espalhada em vários endereços. Assim, quem publica de forma segmentada precisa encontrar outras maneiras de se comunicar com o público.
E público existe. Eu recebi uma avalanche de cartas e e-mails de leitores quando dirigia as Edições GLS e agora já comecei a ter retorno com a Malagueta. As leitoras lésbicas, na minha análise, estão sedentas por livros diferenciados, mas eles só vão ganhar destaque nas livrarias e entre os distribuidores quando conseguirmos emplacar um bestseller como As brumas de Avalon versão lésbica…
Dykerama.com – Qual é a importância de se criar uma editora genuinamente lésbica?
A meu ver, uma editora lésbica abre espaço para que lésbicas falem sem rodeios, sem medo de censura, sobre o que é importante para elas.
Nós somos seres humanos, somos mulheres, somos brasileiras, mas também somos lésbicas. Ser homossexual na nossa sociedade homofóbica necessariamente passa por uma experiência de exclusão, uma sensação de não pertencer à maioria. Em geral, nós não nos sentimos muito a vontade na “heterolândia” povoada por casaisinhos de homens e mulheres como modelo da única relação que existe. A cultura, por estranho que pareça, também reproduz essa visão heteronormativa na maioria esmagadora das obras, deixando gays e lésbicas quase sempre como personagens secundários ou mudos ou ausentes mesmo.
Criar uma editora lésbica, assim, é dar voz a quem não tem um espaço próprio no cenário cultural que está montado por aí.
Tanto é essa nossa intenção que a Malagueta se dispõe, além de publicar obras inéditas de autoras desconhecidas, também a distribuir obras de lésbicas publicadas de forma independente. Queremos abrir um canal de comunicação com as lésbicas, facilitar a criação de uma cultura literária entre as mulheres.
Dykerama.com – Quais são os primeiros títulos da Editora Malagueta?
O primeiro é As guardiãs da magia, escrito por Lúcia Facco, que imaginou um mundo de fantasia no qual as mulheres ainda têm tanto poder quanto os homens. Ela se inspirou no relato histórico O martelo das feiticeiras, que conta como foi a perda do poder pelas mulheres curandeiras durante a Idade Média.
Temos mais três títulos de autoras nacionais em andamento, que espero que agradem o público de leitoras.
Dykerama.com – Como o público pode adquirir os livros da editora?
O melhor jeito é pelo nosso site. Temos também uma livraria parceira, a Rato de Livraria (rua do Paraíso, 790, São Paulo, tel. 11 3569-7882).