O Frameline 35 caminha para a reta final, o que não significa que chegamos ao fim da festa. Pelo contrário. À medida em que se aproxima o final de semana do Gay Pride em San Francisco, as pacatas ruas do Castro vão recebendo mais e mais turistas, o happy hour vai se estendendo e os convites e flyers para inúmeras "pride parties" cobrem as paredes e os murais do bairro. A cidade está em festa e a programação do festival parece refletir o clima que vai se instalando nas ruas, com muita música e dança na tela.
O foco pode até ser a comunidade transexual, mas eu nunca tinha visto tantos números musicais como nessa edição do San Francisco International LGBT Film Festival. Efeito Glee? Tudo indica que sim. A série musical da TV americana pode não ter conquistado os brasileiros, mas aqui o programa é um fenômeno, idolatrado especialmente pela comunidade gay, como fica evidente na programação do festival esse ano.
Metade dos filmes em destaque no Frameline celebra o poder das artes cênicas, inclusive MANGUS!, comédia do mesmo diretor do filme CLUBE DAS GORDAS (exibido há poucos anos no Festival Mix Brasil), sobre um jovem decidido a protagonizar o musical da escola "Jesus Christ Spectacular". Outro filme que fez as pessoas saírem dançando do Castro Theater foi LEADING LADIES, de Daniel Beahm e Erika Randall Beahm, um casal super fofo que conquistou a plateia com um filme fraco, pela força que têm bons números de dança de salão.
Nos programas de curta-metragens, as comédias musicais também parecem ser mais frequentes este ano. "Slut: The Musical" (foto), "Cupcake: a Zombie Lesbian Musical" e "Who’s the Top?" são alguns dos filmes no formato que se utilizam das convenções do gênero.
Alguns filmes não abraçam totalmente o gênero, mas utilizam alguns de seus recursos. É o caso de JAMIE AND JESSIE ARE NOT TOGETHER, de Wendy Jo Carlton (diretora de HANNAH FREE, também exibido no Festival Mix Brasil). No filme, Jessie sofre à medida em que se aproxima o dia de partida de sua melhor amiga Jamie, que está de mudança de Chicago para Nova York, onde pretende realizar seu sonho de se tornar estrela da Broadway. Ainda que sejam plausíveis, os poucos números musicais parecem forçados, até mesmo para os padrões americanos. Muito mais bem sucedido é o filme SPORK, de J.B. Ghuman, que combina números incríveis de break dance protagonizados por pré-adolescentes com o tipo de humor ácido que fez a fama de diretores como Todd Solondz.
Outro filme em destaque é LEAVE IT ON THE DANCE FLOOR, de Sheldon Larry, que dramatiza e atualiza a cena retratada por Jennie Livingston (e chupada por Madonna) 20 anos atrás, no documentário clássico sobre voguing em Nova York, PARIS IS BURNING. Na nova produção, a cena é transferida para Los Angeles, onde o protagonista Brad encontra sua família afetiva e um lugar para morar e se expressar na House of Eminence, um clã orgulhosamente composto por todo tipo de marginais e freaks.
A expectativa em torno do filme é compreensível e de certa forma explica a paixão da comunidade LGBT nos Estados Unidos por musicais. LEAVE IT ON THE DANCE FLOOR talvez seja o filme que melhor exemplifique o aspecto mais forte de GLEE e de todos os "high school musicals" dos últimos anos: para outsiders (como uma boa parte da população LGBT) uma das formas mais gratificantes de encontrar uma comunidade (ou família afetiva, amigos, turma etc) é através da música, dança e da perseverança que têm todos aqueles que batalham pelos seus sonhos.
* Suzy Capó é presidente da Festival Filmes, primeira distribuidora de filmes de temática LGBT no Brasil.