Mesmo com o final da noite de ontem tendo sido muito bom, não pude deixar de ficar desanimado depois de acordar hoje de manhã, correr pro computador e verificar o resultado das eleições municipais.
Em São Paulo, já não é mais novidade, nenhum candidato gay se elegeu. Mas o que me deixou mais triste não foi isso. Aliás, no Brasil inteiro só quatro candidatos LGBTs terem conquistado vagas nos legislativos de suas cidades é bem sintomático e serve para apontar alguns fatos que não podem deixar de ser levados em consideração se queremos mesmo ser representados e conquistar direitos.
Que a classe gay é despolitizada, isso já se sabe e nem é mais novidade. A própria audiência deste site revela isso. Na noite de sexta-feira, publicamos entrevistas realizadas com três principais candidatos à prefeitura da cidade de São Paulo. No mesmo dia, uma notinha besta, sobre a troca de "carta de amor" entre o menino que faz o Harry Potter e outro ator, atingiu a marca de 5.000 pageviews. Enquanto isso, Marta, Alckmin e Soninha não passaram dos 600 e isso contando o final de semana inteiro na home.
Muitos foram os que não levaram a sério as candidaturas de drags. Esses, às vezes com um ponto de vista preconceituoso, talvez sejam aqueles que menos se informam e desconhecem a trajetória de militância de alguns candidatos. Vezes e vezes vi Salete participando, desmontada inclusive, de debates LGBT. Algumas delas foi antes mesmo de começar a trabalhar aqui. Em eventos e discussões que reuniram meia dúzia de gatos pingados lá estava a Salete contribuindo com seus pontos de vista.
É desesperador o fato de uma cidade com a maior Parada Gay do mundo não ter elegido um único candidato gay assumido, drag ou não. Há no mínimo um paradoxo entre a "consciência política" que as pessoas tanto dizem ter – aquele discurso "voto na idéia ou na proposta e não na sexualidade de um candidato" -, e o resultado que se viu nas urnas.
Se levam mesmo política a sério e por isso não votam em gay, independente de ser drag ou não, e independente das propostas ou não, como é que explicam o fato de Sérgio Mallandro* e Dinei* terem atingido vinte mil votos a mais que Salete Campari ou Marcos Fernandes? Se "corithianos e bobalhões" desperdiçam seus votos nessas caricatices, porque a bicha fervida não pode fazer a mesma coisa? Já que não vota com consciência e não se interessa por política – que, suponho, deve ser o perfil dos eleitores dos dois primeiros -, que vote em gay e volta pro mundinho de faz de conta da balada, do dark e do cinemão. Pelo menos está fazendo uma coisa boa, dando visibilidade pra comunidade e ajudando na ocupação de espaço político. É melhor que anular voto ou votar em branco, que acaba sendo uma atitude conivente com a situação do jeito que está.
Se acreditam nas idéias "boas" dos candidatos porque é que elegem a mesma bagaceira que está na política há anos? Só para pegar os mais votados e caricatos, o cantor Netinho de Paula recebeu 84 mil votos e figurou em terceiro lugar entre os dez mais votados. O Vereador Netinho, do PSDB, que é, de certa forma, aliado da causa LGBT em São Paulo, e que teve nota 9,4 na avaliação feita pela tucana Veja, ficou em nono lugar. Um candidato no mínimo interessante, mas não gay. Ou pelo não assumido, vai saber. E o Chalita, então? Foi secretário de Educação do Estado, não fez nada de muito relevante e ainda assim conseguiu ser o vereador mais votado no município.
E enquanto as bichas teimam em não votar em bichas, alguns espertos usam a religião como instrumento de manipulação de massas e elege católicos e evangélicos, fortalecendo suas bancadas reacionárias e fundamentalistas e dificultando a conquista dos direitos gays. Felizmente, Gabeira ter ido pro segundo turno derrotando Crivella nas urnas do Rio é um sinal de que nem tudo está perdido. Mas ainda assim, a gente está longe de uma situação favorável. Ah, quase ia me esquecendo. Um dos quatro gays eleitos é na verdade a travesti Léo Kret, em Salvador. E olha que pelo menos na teoria o nordeste é muito mais conservador e machista que São Paulo. Uma verdadeira vitória.
Um leitor hoje comentou a fala do Lula favorável a união civil. "Cadê os nossos direitos?", questionava ele. Estão lá, nos parcos 2 mil votos da Salete e do Marcos e nos 6 mil do Léo Áquilla, respondo. Estão na carta de amor do Harry Potter e nas entrevistas dos prefeituráveis pouco lidas por aqui. Talvez a gente tenha a política que mereça. E talvez merecemos ser também um país campeão no assassinato de homossexuais. Mas é de ruborizar que vinte anos depois da abertura política, nós gays ainda não soubemos utilizar da democracia para fazer valer nossa cidadania.
*Tudo bem que Dinei e Mallandro não se elegeram, mas que tiveram uma quantidade absurda pra patifaria que representa a campanha deles, ah isso tiveram.