Eles não apreciam Madonna, desconhecem a última coleção da Prada, nem vão as baladas GLS… No entanto, sabem a diferença entre uma chave de fenda e uma inglesa, conseguem detectar um problema no carro pelo ruído e até gostam de jogo de futebol. Eles são gays, mas se intitulam em alto e bom tom como sendo "fora do meio".
Eles – "os fora do meio" – podem ser encontrados em salas de bate-papo e sites de relacionamentos onde colocam anúncios do tipo: "Sou bonito, sarado, relativo e… Fora do Meio!", "Procuro cara macho fora do meio", ou mesmo "Não curto bichinhas do meio".
O paulistano Eu42 (apelido no chat) revela ser um gay fora do meio. Assumido apenas para os mais próximos, como a família e os amigos, ele não se identifica com a cultura gay imposta. "Fui poucas vezes a lugares GLS. O clima perpétuo de pegação parece ser a prioridade. A única coisa que vejo nesses lugares é a necessidade de paquerar e se dar bem".
Os fora do meio acreditam que haja um conceito de ser gay que transparece no chamado meio, como o modo de se vestir, de se comportar, o uso de gírias, a unidade musical, dentre outras manifestações. Para Eu42, sua postura "out" é uma escolha pessoal em estar à margem do meio GLBT e, portanto, do ciclo de boates, bares, lugares e locais em que a comunidade se reúne.
"Mundinho gay"
A conservação da virilidade é outra qualidade de quem se considera fora do meio. Outro usuário de internet, MachoX Macho, acredita não ser possível encontrar homens viris ou, como ele qualifica, "machos" em ambientes gays.
Para ele, o "mundinho gay", como refere, cria um homem diferente do qual ele procura. “Busco alguém com jeito de homem. E nesse meio eu não consigo encontrar pessoas que se comportem como macho. Os homens desse mundo têm um comportamento parecido ditado pela moda deles. Eu curto caras autênticos com jeito de homem", esclarece.
Outra unanimidade entre os fora do meio é a idéia desse "grupo" ter um comprometimento com a sexualidade que prescinde do gueto. "Não queremos nos fixar em guetos", revela Machox Macho.
Para eles, os guetos são lugares que reafirmam a existência de uma cultura gay construída, onde as pessoas seguem um "padrão" de comportamento pré-determinado. "A impressão que se dá é que todos gostam de dark-room, música eletrônica, Drag-Music e vestir-se de forma alternativa", afirma o usuário “fora do meio”.
A proliferação das salas de bate-papo com temáticas diversas permitiu a essas pessoas "comerem" pelas beiradas. Os chats, por serem classificados por grupos, acabam criando mecanismos para até quem não é do meio possa, de certa forma, se aproximar com quem já ousou pisar os pés no meio, ou mesmo quem também jura de pé junto que jamais pisou ou viveu o GLS, em vão.
O meio virtual, portanto, tem sido uma forma de sucesso para esse grupo encontrar a cara metade ou mesmo um sexo fácil. "O Chat é um mecanismo que mesmo rotulado como do meio, ao menos permite fazer uma triagem", revela MachoXMacho, que usa a sala de bate-papo para buscar outras pessoas também fora do meio.
Porém, não é só com “virtualidades” que se vive um fora do meio. Eles não descartam o bom gosto, e adoram ir ao teatro, assistir a filmes cult, freqüentar academias e comer em bons restaurantes. “Gosto de malhar e assistir bons filmes. Mas não ficando me expondo, nem ‘dou pinta’ em locais públicos”, conclui MachoXMacho, que jurou não trocar olhares, nem se um Deus Grego estivesse na sua frente.
"Fora do meio" ou enrustido?
O psicólogo Klecius Borges acredita que a manifestação de buscar alguém fora do meio, tão comum em salas de bate-papo, indica com clareza um padrão recorrente no universo homossexual. "Funciona como uma espécie de código, e significa que o pretendente busca um cara masculino, que não pareça homossexual e que não freqüenta lugares associados aos homossexuais. Em outras palavras, que não pareça, comporte-se ou relacione-se publicamente com outros iguais a ele", explica.
Para o estudante de ciências da computação Daniel Pereira, ser fora do meio é um estágio intermediário entre o enrustido e o assumido. "Tenho muitos amigos que estão fora do armário há certo tempo, mas ainda não se identificam com muitas coisas da cultura gay", diz.
Mariana Souza, heterossexual e freqüentadora assídua de baladas GLS. Ela diz ter muitos amigos que não são enrustidos, são assumidos para o espelho, para os pais e colegas e nem por isso admiram a cultura gay. "Existe um buraco que separa vários tipos de gays. Tem os que necessitam estar envolvidos numa cultura pré-concebida para exercitarem a auto-afirmação e se sentirem incluídos. Outros gays tão bem resolvidos quanto, ou até mais resolvidos de si, não necessitam se prenderem a estes dogmas. Para esses, eles gostam de pessoas do mesmo sexo e pronto. Não precisam de adendos, remendos ou acessórios. São conforme vieram ao mundo, de corpo e alma", afirma.
E a prática comprova. "Namoro, sou assumido no trabalho e para minha família, não gosto de música eletrônica, me visto com camiseta lisa, jeans e tênis, isso quando não estou de camisa e calça social, não saio para boates, gosto de ir a barzinhos, que as pessoas chamam de HTs (de freqüência hétero), e nem por isso deixo de viver a minha sexualidade. Quando posso, viajo com meu namorado ou com minha família. Apenas não estendo uma bandeira, porque não acredito nisso. E um dia, quem sabe, adotarei uma criança", declara Gustavo Almeida, gay “fora do meio”.
A comunidade gay se identificava por estar localizada apenas em uma região, como as proximidades da Avenida Paulista em São Paulo ou da Rua Farme de Amoedo na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, nota-se uma desconcentração dos pontos assumidamente GLS dessas regiões, que se espalharam por outros bairros da cidade. "Os gays antes se concentravam na Rua da Consolação, hoje estão em diversos lugares: em shoppings, parques, ruas e avenidas", defende o Analista de Sistemas Ari Teperman, que transita pelos diversos meios. "Hoje é possível estar em vários lugares que não levantam a bandeira gay, mas que toleram ou aceitam o público".
Para Ari, o meio não se constrói apenas em lugares GLS, mas também em lugares onde não se espera vivenciar uma atitude gay. "Certa vez levei meu namorado para conhecer a sinagoga que freqüento, e durante o ritual, alguns casais heterossexuais se beijavam, e acabei beijando meu namorado dentro da sinagoga. Naquele momento o meio se fez presente, mesmo que por alguns segundos", revela.
O estudante de publicidade Henrique, 20 anos, é um caso típico. Ele transita por todos os meios, mas namora um rapaz que se diz fora do meio. "Hoje namoro um rapaz que não gosta de sair em baladas e nem de lugares GLS", comenta Henrique, que conheceu seu affair numa sala de bate-papo e a partir daí marcaram um encontro puramente sexual. Para a surpresa dos dois, a química bateu e estão juntos até hoje.
Como Henrique gosta de freqüentar o meio e seu namorado não, então resolveram o impasse por meio de um acordo. Henrique pode sair para baladas e até ficar, mas jamais trocar telefones. Já o namorado, que se recusa acompanhá-lo, prefere o aconchego do lar, o cinema ou mesmo uma viagem para cultivar o namoro de quase um ano.
Como detectar um gay fora do meio
Sem fazer julgamento de valores, deixamos aqui uma fórmula para você identificar um ser “fora do meio”, seja para manter distância ou mesmo tentar engatar um relacionamento.
LUGAR – Eles se encontram nos lugares mais inusitados. Fique atento em ruas, avenidas, vagões de metro, shopping centers, supermercados. Arrisque também os barzinhos e points héteros. Mas se quiser, pode apelar a tecnologia, eles são adeptos ao uso de salas de bate papo e sites de relacionamento.
DISCRETO– São super discredos. Comentar que é assumido ou que freqüenta lugares GLS são assuntos proibidos. Evite os chamados assuntos “gays” também. Moda, Madonna e a nova música da Deborah Cox são expressamente vetados.
ROUPA – são os mais básicos possíveis. Usam roupas esportivas, camisetas básicas ou pólo. Pessoas que não são do meio se afastam daqueles que fazem questão de vestir-se de maneira fashion. Se você é do tipo que usa rímel nos olhos e passa base no rosto, desista de uma aproximação.
GÍRIA – Eles trocam o pajubá pelas gírias dos heterossexuais. É simples, ao invés de “bofe”, eles usam “mano”. Entendeu? E saiba que qualquer deslize nesse sentido pode comprometer sua performance na abordagem. Force também na voz grossa.