Os gays provocam muito. Seja lésbica, viado, travesti ou transexual, a verdade é uma só: gays provocam demais. Riem alto demais, dançam demais, gostam de música demais, lançam moda demais, querem afeto demais, amar demais, trepar demais, serem felizes demais! Eles querem até os mesmos direitos que heterossexuais! Onde já se viu tamanha afronta!
Este gays querem ficar por aí, andando, amando e constituindo família livremente e não entendem como isso é ofensivo? Será que não entendem como isso é um ataque frontal à verdade absoluta da heterossexualidade como única existência possível e saudável? Já não basta poderem trabalhar, estudar, andar pela rua, além disso, pretendem se envolver em política, modificar leis? Ainda querem ficar livres para demonstrações públicas de afeto? Querem ser considerados normais como outra pessoa qualquer? Ora, todos sabem que assim, não é possível, assim, não pode ser.
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Com viado, não, viado tem que saber o seu lugar, tem que ficar quieto. Que negócio é esse de me expor deste jeito? E se pensarem que o camarada que levou a cantada é viado também? Mulher não, se levar uma boa passada de braço pela cintura e lhe tacarmos um beijo roubado, poxa, é só um beijinho. Não acho que seja tratá-la como objeto, bom, só se for objeto do desejo e aí é uma coisa boa.
Agora morreu de jeito violento. Talvez se não se prostituisse, talvez se não levasse ninguém para sua casa, se não fosse para um motel, se não namorasse, se não trepasse, se não beijasse na boca, se não cismasse em ser feliz, se não fosse gay! Isso é o que dá esta necessidade de ficarem vivendo livremente e fazendo o que bem entendem como se fossem pessoas normais.
Mais do que isso: como se dá sua interpretação dos fatos? Sob que prisma você analisa o ocorrido? Será que não há resquícios dos discursos e das práticas sexistas, machistas e homotransfóbicos a que somos submetidos todos os dias? Será que não absorvemos e reproduzimos parte da postura de nossos próprios algozes? E quando é um caso de violência entre pessoas cis e heterossexuais, qual é a reação da imprensa, da população em geral e de nós mesmos?
Pense sobre isso, pois não se trata apenas de mim, de você e de nossas ações, mas do discurso inferiorizante que nos infligem a todo o momento e que não podemos de forma alguma reproduzir, pois de nada adianta lutarmos e irmos às ruas por orgulho, respeito e dignidade se carregarmos nossos algozes dentro de nós. É preciso urgentemente romper estas amarras!
Ivone Pita é professora, blogueira, feminista e ativista LGBT.