O que poderia dar errado quando dois amigos héteros bem resolvidos decidem virar protagonistas de um pornô gay? Essa é a pergunta que conduz o filme "Humpday" (EUA, 2009), que no Brasil foi traduzido literalmente como "O dia da transa", um dos destaques da 33ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece de 23 de outubro a 5 de novembro na capital paulista.
Assim como na comédia "Eu Te Amo, Cara" (I Love You Man, EUA, 2009), que esteve em cartaz no país no primeiro semestre deste ano, "O dia da transa" discute mais uma vez o amor intenso entre dois homens heterossexuais e como essa relação – que já se convencionou chamar de "bromance" -, é construída fora dos limites da orientação sexual. O que o filme faz é separar o que é espontâneo (o tesão, o sexo) do que pode ser simplesmente considerado um padrão moral.
Longe de ser um filme gay, "O dia da transa" evidencia as mil e uma possibilidades da relação sexual adulta e consentida e coloca frente a frente, para um duelo sem vencedores, o conservador e o liberal. Para transformar suas vidas, os protagonistas têm que enfrentar seu lado mais retrógrado e mergulhar fundo em seus próprios preconceitos. É por isso que é tão difícil para Ben (Mark Duplass) se desvencilhar da mulher, Anna (Alycia Delmore), quando seu antigo colega de faculdade, Andrew (Joshua Leonard), resolve visitá-lo sem aviso.
Andrew é o típico aventureiro desinibido, um artista de rua que viaja pelo mundo em busca de novos desafios. Ben tem uma relação monogâmica tradicional e o desejo de em breve ser pai. Esses valores começam a ser questionados quando os dois amigos se encontram numa festa dionisíaca, regada a drogas e sexo. Ben estranha quando fica sabendo que Monica (a também diretora do filme, Lynn Shelton) é ao mesmo tempo a nova parceira sexual do melhor amigo e namorada de Lily (Trina Willard).
Ainda assustado com esse novo mundo à sua frente, Ben decide se inscrever num festival pornô alternativo e apresenta a ideia de protagonizar uma película ao lado do amigo, que topa sem pestanejar. Ao conversarem sobre essa relação tão díspare mas ao mesmo tempo tão complementar, os dois amigos soltam frases como "não deveríamos nos restringir às vidas que levamos" ou "essa é uma forma de quebrar barreiras". O discurso hippie, agora atualizado, surge como caminho alternativo para questionar os limites dessa amizade hétero.
Dali para frente, o que se tenta descobrir é se Ben e Andrew vão cumprir com o prometido. O tal filme gay serve apenas de pretexto para que a diretora Lynn Shelton transcenda o lugar-comum de produções do gênero para focar no processo de auto-conhecimento dos personagens.
Ao estilo dos cineastas do movimento Dogma 95, que tem o dinamarquês Lars von Trier como um de seus representantes, Shelton constrói diálogos densos e longos, com apelo realista, para que os personagens se exponham e se desnudem. Intenso mas deliciosamente leve e ágil, "O dia da transa" carrega um ar de desconforto e, como numa piada sem graça, chama a atenção para o lado mais patético e medroso das relações humanas.