– O que você faz?
– Faço moda.
– Nossa. Tem homem na sua sala?
– Tem.
– Não, mas "homem mesmo", sabe?
– Então, tem.
– Ah, duvido.
Esse tipo de diálogo é muito comum para qualquer estudante de moda. Aliás, depois de um ou dois anos, é maçante ter que passar por ele, então, aproveito o espaço para começar também a campanha "Poupe-nos". É fato que uma sala de um curso de moda é composta em sua maioria por meninas, lésbicas ou não, uma parte menor de meninos gays e algumas ocorrências de meninos héteros, que podem estar lá porque a família tem negócios de moda, porque já fazem algo relacionado à moda, ou porque querem, ué. Eu sempre senti nessas insinuações uma carga pejorativa, afinal, porque alguém iria querer entrar em um mercado dominado por mulheres e homossexuais? Ser homossexual exclui alguém do gênero masculino? Ou eu tenho mania de perseguição? Céus!
O fato é que não precisa ser do meio para saber que profissionais de diferentes formações e estilos de vida trabalham para a moda, direta ou indiretamente – designers, administradores, técnicos, fotógrafos, jornalistas etc, etc, etc. Mas no imaginário coletivo, a moda ainda é um ambiente feminino, feito por e para mulheres, dominado por frivolidades e necessidades supérfluas. Pode parecer antiquado, mas ainda é atual pensar que o interesse por moda é exclusivamente feminino. Então como um mercado que atinge todas as pessoas (aqui vale o clichê "ninguém anda pelado") pode manter essa restrição?
Por razões históricas (e a história é longa, a gente conta aos poucos), a mulher sempre foi responsável pelo campo da aparência dentro da família – já que era o homem quem cuidava dos assuntos externos e "não tinha tempo para bobagens". O status era comunicado por meio das roupas, arranjadas e às vezes até feitas pela esposa, enquanto o homem o fazia por meio de sinais mais discretos e aquisições como carros, relógios e acessórios com a tecnologia da época – a moda tem suas raízes no conflito social e na afirmação ou busca por posição, então o consumo e a exibição do consumo são indissociáveis. Com as mulheres sendo inseridas no mercado de trabalho após períodos de crise, era natural que começassem sendo alocadas em atividades facilmente relacionadas com os afazeres domésticos, e a costura é um deles. A mídia também foi decisiva nessa construção do imaginário da moda – as propagandas e as primeiras revistas voltadas para o vestir se dirigiam a um público feminino (e a maioria ainda é herdeira dessas).
A identificação dos gays com esse ambiente profissional pode ter muitas explicações, mas uma coisa é inegável: existe uma segurança em se assumir no meio da moda. Os ambientes mais masculinizados desse Brasil, varonil, não homossexual (lembram dessa?) tornam quase impossível unir vida profissional e pessoal, salvo exceções daquelas, como o Clodovil na política, que, aliás, é um campo tacanho, bom exemplo de como a figura do "macho" passa por cobranças tamanhas no que tange o comportamento e a aparência, em que qualquer sinal de afetação o coloca sob suspeita (medo!). Não seria um tipo de predisposição para a moda, mas de condições favoráveis para a atuação dos homossexuais, que foram sendo retratados por diversos personagens da cultura pop, para o bem ou para o mal, mas todos devem ter seus preferidos.
O gay é mais livre para experimentar com a aparência e isso desenvolve um gosto que não precisa reprimir. Além disso, a cultura gay se relaciona fundamentalmente com a cultura de moda em muitos momentos: as travestis e as drag queens buscam divas como inspiração e fazem espetáculo com sua imagem, estratégia similar à da moda. Nesse caso, a moda seria um meio de realizar as vontades estéticas, de usar profissionalmente aquilo que imaginou para si em algum momento. O João Braga tem um texto essencial para a continuidade dessa discussão, "A Similaridade da Excêntrica Passarela dos Estilistas com a Passarela dos Excêntricos Gays".
Atualmente, homens e mulheres de diferentes orientações sexuais dividem mais os espaços – e os assuntos, os gostos, as obrigações. É provável que os meios fiquem mais mistos, com sorte, respeitosos à diversidade. As identidades são menos engessadas, e as opções de identificação vêm se multiplicando, assim como as publicações masculinas apresentam timidamente editoriais de moda e temos publicações para o público gay, que tratam do assunto sem amarras. Eu sou a favor dos meninos héteros desenhando coleções ou trabalhando na bolsa, das meninas presidentes ou bailarinas e do gay comentarista de futebol ou editor de moda, e daí por diante.
Últimas
– E como diria Regina Duarte: "eu tenho medo" do Brüno, personagem do Sacha Baron Cohen, o Borat. Assisti ao trailer, li algo sobre, e achei que existe um excesso de estereótipos e clichês que podem ser um desserviço naquelas mãos – é que o humor dele não faz meu tipo. Mas vamos esperar o filme e eu volto a falar sobre isso.
– A coleção que o Mario Francisco, da Der Metropol, apresentou na Casa dos Criadores, que aconteceu de 27 a 29 de maio em São Paulo, está a mais bonita: modelagem cuidadosa com soluções criativas pra estrutura masculina, normalmente mais conservadora, humor e coerência que podem ser vistos aqui.
* Na faculdade fez Têxtil e Moda, hoje em dia presta assessoria a empresas e não contente, estuda arte conceitual e figurino teatral. Para não se perder, tenta registrar tudo em seu blog.