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Enrustidos x “falsos” gays aparecidos

Segunda-feira, oito da manhã. Acordo com a TV ligada. Mensagem do dia e uma retrospectiva do caso Isabella Nardoni. Ana Maria Braga chama o comercial, não sem antes anunciar que "no próximo bloco teremos a presença de Rogéria". Opa, pensei. Tomar café assistindo a participação de uma travesti num programa que adoro. Oportunidade rara.

Resolvi prestar atenção ao que Rogéria iria falar ali. Falou sobre sua participação nas novelas globais. Explicou seu personagem Astolfo em "Duas Caras", da Rede Globo, como assistente de Vera Fischer e analisou fotos de um calendário que a produção do "Mais Você" realizou com fotos sensuais de mecânicos da vida real. Ui!

Recentemente li em algum blog sobre a participação de Rogéria no Altas Horas, em que questionada sobre situação de violência sofrida por GLBTs resolveu falar sobre a violência sofrida pela mulher heterossexual. Sabemos que a homofobia é irmã gêmea siamesa do machismo. Que ambos têm as mesmas raízes fincadas no sexismo e intolerância ao feminino. Mas este era um caso em que valia a pena falar sobre a questão gay. Oportunidade rara. Desperdiçada.

Novamente Rogéria não falou sobre essa questão na Ana Maria Braga. Ao invés de falar sobre identidade de gênero ou sobre travestilidade simplesmente afirmou que "antes de ser homem ou mulher, eu sou um artista". Peraí. Ela não é, ou era, travesti? E porquê deixou de usar um espaço tão bacana, onde milhares de mães de homossexuais iriam ouvi-lá, apenas para falar que é artista. Isso é obvio e não muda nada nossa sociedade.

Aí pula. Muda a cena. Domingo, coluna da minha amiga Mônica Bergamo. A cantora Ana Carolina é tema da reportagem. Ao invés de falar sobre questões de bissexualidade/homossexualidade vem com o papinho de que gosta de homem pra transar, e revela estar a fim de namorar um cara…

Acredito na bissexualidade. Acredito que existam pessoas que gostam dos dois sexos. Mas desconfio de alguns casos, principalmente quando sinto cheiro de truque. Até eu "já fui bi". Numa época em que era mais fácil me definir assim, já que temia o "estigma da homossexualidade". Ser bi, na minha adolescência, representava uma espécie de possibilidade de "volta à heterossexualidade". Tipo um recado: "ei pessoas não se assustem com o fato de eu estar pegando um menino. Amanhã eu posso ficar com uma menina". Rá rá.

Hoje vejo que nem a mim esse discurso enganou. Como disse, acredito na bissexualidade e na diversidade de opções que a sexualidade humana tem a oferecer, hoje mesmo gay, não descartaria beijar alguma menina numa balada. Mas é diferente, não me excito com garotas, pareço um ventilador andando na rua e admirando homens bonitos. Ao mesmo tempo, fico chateado de ouvir os homossexuais que aparecem na imprensona. As discussões sob as luz dos holofotes são plastificadas. Os discursos já vêm prontos. E o pior, embalados em preconceito pra viagem.

Um "gosto de cara para transar" dito por Ana Carolina, não quer dizer exatamente o que ela disse, compreende? O buraco é mais embaixo. É o mesmo medo do "estigma" que eu tinha na adolescência. Dizer que gosta de caras é um recado do tipo: "Ei conservadores, fãs de MPB preconceituosos, posso seguir os padrões da heteronormatividade ficando com homens e vocês podem continuar a comprar os meus discos". [aqui podem ser inseridos os termos "assistir minhas peças de teatro" ou "meu comercial de TV", por exemplo]

Essa falta de postura política, crítica, militância ou whatever dos artistas brasileiros hoje é algo realmente deprimente. Salvo raras exceções, perdem excelentes oportunidades de lutar contra o preconceito.

E o pior é que tem pessoas que falam sobre isso numa boa. Dão a cara a tapa. Levantam todos os dias, tomam seus cafés, vão até a padaria, trabalham, estudam e lidam com muita naturalidade com o fato de serem gays.

Diante de todas essas situações, discursos e atos, eu sinceramente não sei qual conclusão tirar disso tudo. Não sei se é menos pior um gay enrustido, que calando acaba de certa forma sendo conivente com o preconceito, ou os que aparecem, não falam nada construtivo e reforçam a discriminação.

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