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Entrevista: Leonardo Ponto

A história de Leonardo Ponto, de Recife (PE), não é muito diferente de outros transexuais. Desde cedo, Leonardo percebeu que seu corpo – e sua genitália feminina -, não correspondiam a seu gênero (o masculino).

Além disso, ao assumir essa condição, sofreu com o preconceito da família e se viu desamparado pela leis brasileiras, que ainda não reconhecem o direito de transexuais mudarem seus nomes nos documentos.

Mas Leonardo não desanimou. Foi procurar ajuda de ONGs e informações sobre a transexualidade. Hoje, aos 20 anos, apesar das dificuldades que enfrenta em seu dia a dia, tem algumas certezas: pretende se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo e, quem sabe, alterar sua identidade social, ou seja, passar a ser chamado como sempre desejou: Leonardo Ponto.

Conheça um pouco mais sobre a história de Leonardo nesta entrevista exclusiva:

Conte-nos um pouco sobre você. Trabalha? Estuda?

Não tenho emprego, nem faço algum curso formal. Mas num momento como esse, em que as coisas estão se complicando dentro de casa, já comecei a me movimentar. Não ter independência financeira tendo essa condição de vida está bem difícil.

Como e quando descobriu que sua identidade de gênero era outra?
Demorou bastante, foi aos 19 anos. Sempre me percebi diferente das mulheres, sabia que tinha um lado masculino de alguma forma diferente do delas. Não foi assim tão óbvio associar isto à questão de gênero. Vim me dar conta ao conhecer o personagem Max Sweeney da série televisiva The L Word, um homem transexual. Tive uma identificação com o personagem tão grande que não esperei o episódio terminar para pesquisar sobre o assunto na internet. Foi assim que percebi ser um homem transexual e que minha angústia não só tem explicação, como tem solução.

De que forma você encara sua transexualidade?
Muitos transexuais afirmam que nasceram com o corpo errado, ou trocado. Eu já prefiro entender que nasci com o corpo “certo” (concordante com a genética), mas a identidade de gênero trocada. Mas independente da opinião formada, a necessidade é a mesma, como em outros casos: sinto que preciso me adequar à minha identidade de gênero, não à genética por necessidade psicológica, social e existencial. Não posso viver de outra forma senão como um homem de verdade.

Sua família e amigos te aceitam?
Os amigos sim, a família ainda não. Tive a sorte de ter estudado e posteriormente frequentado lugares em que as pessoas têm mente mais aberta. Os amigos da época do colégio, as pessoas que conheço das baladas, dos lugares, os amigos virtuais já me chamam de Leonardo, e ninguém até agora teve discriminação alguma comigo. Infelizmente a família está sendo incompreensiva com o meu desejo de mudar o corpo e a identidade social. Cheguei até a receber ameaças, mas pedi ajuda de ongs, as quais podem me dar apoio psicológico, de assistente social, e em último caso, jurídico. É uma pena que hoje em dia ainda tenham preconceito com nós, transexuais. Afinal, a ciência está totalmente do nosso lado.

Como você define sua orientação sexual?
Eu sou bissexual. Mas pendo mais para meu lado hétero que para o homo: gosto mais de mulheres que de homens. Projeto meu futuro estando ao lado de uma mulher, não ao lado de um rapaz.

Você disse em seu blog que sofre de disforia de gênero. Você já se consultou com especialistas? O que eles dizem sobre isso?
Solicitando informações na internet, encontrei apoio no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A medicina hoje em dia classifica a Disforia de Gênero (ou Transtorno de Identidade de Gênero – e futuramente também Incongruência de Gênero) uma patologia psiquiátrica. Está listada no CID e no DSM – as “bíblias” dos psiquiatras e psicólogos. Embora para o diagnóstico haja uma descrição vaga da transexualidade, evidências científicas apontam ser o transexual não um doente mental, mas sim uma pessoa normal psicologicamente com uma “neurodiscordância de gênero”: a região do cérebro responsável pela auto-percepção de gênero nos aponta uma identidade de gênero discordante do sexo genético. Também há o consenso de que o transexual já nasce transexual, e não há como mudar este fato.

Você tem vontade de se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual? Por quê?
Sim, eu tenho. Dei-me conta que parte da angústia que sinto é uma certa repulsa à forma feminina do meu corpo. Ele não reflete minha personalidade, minha vontade ou minha identificação. É só você imaginar como se sentiria um homem capado. Ou você ser visto via de regra como alguém que você não é. Não é exatamente fácil viver desse jeito.

Quais as principais barreiras que um(a) transexual enfrenta?
Nós passamos por uma incompreensão e uma mitificação tremendas pela maior parte das pessoas. Imaginam que somos doentes mentais, pessoas com desvio de conduta, promíscuos ou mito análogo. O preconceito vem na agressividade ou na descredibilidade que podem nos atribuir no dia-a-dia. Na hora de arranjar um emprego é bem complicado. Muitas vezes a família não aceita nem apóia. Digo isto me baseando em mim mesmo e em fatos narrados por colegas.

Também para alguns pode ser financeiramente inviável. Existem várias clínicas públicas e privadas que cuidam de transexuais no Brasil, mas não raro as filas de espera são imensas e realizar a transição com cirurgias e terapia hormonal acaba saindo muito caro. Nem todos podem arcar com uma cirurgia de 40 mil reais ou bancar psicólogo durante dois anos, já que no Brasil é o necessário para obter o laudo da cirurgia. Quanto a fazer as coisas na clandestinidade, é pedir para estar marginalizado da sociedade e passar por riscos à saúde, já que é necessário modificar os documentos e é recomendado ter acompanhamento médico durante anos.

Você também pretende mudar o sexo nos documentos? Como pretende fazer isso?
Claro. Pretendo estar num nível mais avançado na transição corporal para entrar com o pedido de retificação do meu registro de nascimento. Como não há legislação específica para os transexuais no Brasil, o que se pode fazer é torcer para o juiz ser bem informado ou ter boa vontade. É um processo moroso em geral, mas possível de ser realizado. O complicado será eu ter de dar uma explicação imensa que nem sempre será compreendida ou tolerada toda vez que precisar mostrar a identidade, receber correspondências, comparecer a uma entrevista de emprego etc.

Que tipo de preconceito você sofre no seu dia a dia?

Minha mãe acha que é psicose, tem vergonha da minha aparência e meu comportamento, tenho medo de sofrer uma violência física por parte de familiares. Já não bastasse ser tomado como uma aberração ou portador de doença psicológica por eles. Quanto aos que não me conhecem, passo em geral anônimo. Às vezes alguém percebe que meu corpo não é exatamente de um homem comum e me olha estranho, como se eu fizesse algo errado. Mas até hoje, graças a deus, nunca aconteceu nenhuma situação constrangedora.

Você acredita que um dia a transexualidade será melhor aceita na sociedade?
Sem dúvidas. Costumo batalhar para informar melhor as pessoas sobre essa questão em particular. Diferentemente dos homossexuais nós não temos a mesma visibilidade na mídia de massa. Tenho certeza que ao passo em que a homofobia for criminalizada e a união homoafetiva oficializada, nós transexuais também conseguiremos leis federais de proteção do uso de nome social, quem sabe melhores políticas públicas. Daí já teremos mais visibilidade social e as pessoas serão melhor informadas.

:: Para saber mais sobre transexualidade:

http://ftmbrasil.blogspot.com
http://transhomembrasil.blogspot.com

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