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Escritor fala sobre preconceitos que envolvem o mundinho

MUNDINHO

O que o mundo (=supremo) hétero quer dizer exatamente quando decreta o estilo de vida homossexual de mundinho (=ínfero) gay? Analisemos: mundinho fashion abriga estilistas, modelos, editoras de moda, enfim, gente que trabalha no ramo. Mas se ser gay não é profissão, nem o tal do mundinho gay é comércio, então por que a definição?

Gay é um ser humano que pode estar no mundo da moda, da medicina, da arte… E há muito deixou de ser pária, doente, anômalo etc. Gay é branco, é negro, é médico, é maquiador. Gays também têm individualidade, independência, cada um tem seus próprios anseios, não se trata de um pequeno grupo unido com interesses comuns. Cada um tem a sua vida, as suas dificuldades, os seus problemas, os seus sonhos. Só o simples fato de ser gay não implica dizer que são todos iguais, almas gêmeas.

Por que a linha divisória, então? Por que o cordão de isolamento invisível, gerando obstáculos? Por que jogá-los numa área demarcada, embora imaginariamente, e não incluí-los num mesmo espaço, engajá-los no mesmo sistema (sic) judicial, político e social? Ah, porque é um povo exótico, de estranhos hábitos e estranhas manias. Né não: gay gosta de boate e praia, de música eletrônica e pagode, de moda e economia… 

Mundinho é diminutivo de mundo – e automaticamente equipara seus eventuais habitantes a essa condição. É um segmento, um derivado. Parece tratar-se de uma sociedade à parte (é essa a intenção), à margem, abaixo, nunca o centro, nunca acima. Uma coisa gueto. Clube fechado. Congregação de um pequeno número de pessoas. E os gays já extrapolaram essa porcentagem faz tempo. A palavra é pejorativa, sim, arrasta um tom carregado de preconceito. Preste atenção na inflexão da voz, na fisionomia de alguns quando falam mundinho gay. É aí que deixa de ser sublimação e vira renegação. Soa bem diferente quando pronunciam mundinho fashion.

Dá a sensação de um mundo menor, que oculta coisas pecaminosas, por isso tem que estar fora do mundo dos normais. É um ato verbal de expulsão. Com qual direito e autoridade, não se sabe.

Aceitar viver entre as muralhas desse pequeno âmbito doado (?!) limita. O mundinho encapota – não será esse o objetivo?: fazer de conta que esses seres esdrúxulos não existem, apesar de ocuparem um lugar?

A solução é sair do mundinho, implodir o gueto, explorar todos os setores sociais, juntar-se aos outros, invadir o mundo deles com a mesma cara e o mesmo direito, e, principalmente, as mesmas atitudes.

Mas, a despeito de tudo, o mundinho de hoje ainda é melhor que o submundo de outrora. Significa ao menos que já se saiu dos subterrâneos, atingiu-se a superfície, e agora bate os braços e nada-se, mesmo contra a correnteza, e um dia, seguramente, os moradores do mundinho pisarão, não nesse mundo ferrado, mas n’O Novo Mundo, construído com a ajuda deles.

* Escritor (autor do livro de contos Vapor Barato, Ed. 7letras, RJ, 2007)

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