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Especial: Pesquisadores da USP estudam novo método de prevenção a Aids

Segundo o censo epidemiológico de 2008 do programa brasileiro DST/AIDS, o Brasil tem hoje 640 mil pessoas infectadas com o vírus HIV, sendo que, um dado preocupante foi revelado: a maior o número de novos casos cresceu entre homens heterossexuais acima de 50 anos. Para conter o avanço da epidemia, novas estratégias de prevenção vem sendo estudadas. Entre elas os microbicidas, a circuncisão e, mais recentemente, a profilaxia pré-exposição.

"Os números da epidemia ainda são muito altos no mundo e tem se pensado em novas estratégias de prevenção. Vai levar muitos anos para termos uma vacina que funcione. Por isso, hoje tem se pensado na questão da ‘Profilaxia Pré-Exposição’, de se usar um medicamento que possa complementar o sexo seguro e prevenir a infecção nas populações mais vulneráveis", diz Ricardo Gambôa, coordenador de recrutamento e retenção do estudo iPrEx (iniciativa Profilaxia Pré-Exposição), que acontece na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Trata-se de um estudo de um comprimido complementar à prevenção do vírus da AIDS.

Ricardo conta que a equipe vem se preparando para o início do estudo desde o ano passado. A respeito do remédio, o Truvada, Ricardo explica que se trata de "um comprimido composto por dois medicamentos: Entricitabina e Tenofovir. Um estudo com o Tenofovir foi feito com mulheres na África e teve um número bastante positivo em termos de prevenção, cerca de 70%".

Já em fase de teste com animais, o remédio tem obtido resultados positivos . "O uso do Truvada nos animais impediu em 100% dos casos que eles fossem infectados por um vírus semelhante ao HIV". Ricardo Gambôa revela também que o medicamento já é aprovado e usado para o tratamento anti-retroviral. "Estamos fazendo esse estudo justamente pra confirmar se ele impede a infecção, além de testar a segurança quando tomado por pessoas saudáveis".

Gueto medicinal
Ricardo Palacios, médico especialista em infectologia e um dos coordenadores do protocolo iPrEx, diz que além do objetivo de se chegar a um remédio "é desmistificar a doença também por parte do pessoal de saúde. Nós enquanto pesquisadores da saúde não concordamos que devemos colocar infecção por HIV/Aids como se fosse uma doença de um gueto especifico, mas sim que deve ser atendido como qualquer outra patologia".

O infectologista revela que este foi um dos motivos que fez o grupo trazer tal estudo para o Brasil. "Quando nós trouxemos a nossa pesquisa pra a Universidade de São Paulo (USP) não era a nossa idéia tratar dessa questão [Aids] numa casinha a parte, queríamos que esse protocolo estivesse no mesmo prédio onde são tratados todos os pacientes do Hospital das Clínicas (HC)". Assim, Palacios acredita que irá quebrar preconceito ao fazer uma travesti sentar em uma sala de espera ao lado de uma senhora que veio tratar de hipertensão. "Fazemos isso porque não acreditamos em gueto", afirma.

Profilaxia
A respeito da profilaxia pré-exposição, Ricardo diz que o estudo não é algo novo e que surgiu a partir da idéia da profilaxia pós-exposição. "Acidentes que aconteciam com trabalhadores da saúde. Por exemplo, um cirurgião se cortava durante uma cirurgia, uma enfermeira que se furava com uma agulha durante a aplicação. Esses acidentes demonstravam que havia exposição em potencial por HIV. Com a profilaxia pós-exposição, a infecção por acidentes reduziu 70%", avalia.

A partir daí médicos começaram a se questionar a respeito da profilaxia pré-exposição ao vírus. "Nós começamos há três anos nos posicionar no sentido de que a exposição de uma pessoa com acidente de trabalho comparado com a pessoa que está exposta sexualmente é muito menor". Segundo Ricardo, "é mais fácil você ser infectado por exposição sexual. Então, se começa a trabalhar a idéia de: por que não aplicar a profilaxia às pessoas que tiveram uma exposição sexual com o risco de ser infectada por HIV?".

O infectologista argumenta que se uma pessoa se expõe "ao longo do ano 30, 40 vezes, a pergunta é: não da para fazer o contrário, tomar o medicamento antes da exposição? Nesse grupo muito particular de pessoas [profissionais do sexo e pessoas que às vezes não usam camisinha] que, em razão de sua vulnerabilidade ainda não conseguem controlar a quantia de exposição, não seria indicado mais uma forma para que ela possa se proteger?". O médico faz questão de enfatizar que a camisinha é a maneira mais segura de se proteger.

Prevenção e preconceito
É sabido por todos que a Igreja Católica é uma das vozes mais ferozes contra o uso da camisinha. Questionado se sua equipe teme represálias dos setores religiosos, Ricardo diz que espera "uma reação igual a qualquer método anticoncepcional. Vão dizer que estamos incitando a promiscuidade, é uma reação natural, não tem saída".

A discussão se estende também a médicos e cientistas. "Há médicos que dizem ser uma incitação a promiscuidade, e também que é um comprimido que vai proteger contra o HIV, mas não vai proteger contra a sífilis, contra a gonorréia, que não vai proteger contra todas as outras DSTs e é verdade. Mas fazemos questão de deixar claro que, sem a camisinha, o remédio é um fracasso", pontua Ricardo.

Sobre o estudo ser focado em gays, bissexuais, homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais, Ricardo explica que "há muitos protocolos de profilaxia pré-exposição que estão acontecendo no mundo e a maior parte deles atendem a população de mulheres heterossexuais". Assim, conclui que "não há necessidade de repetir os estudos que estão acontecendo em outros lugares, e tem também a questão da necessidade específica de cada país, são vulnerabilidades diferentes".

Campanha e voluntários
Ricardo Gambôa conta que já estão com o material gráfico pronto para a campanha que pretende atrair voluntários para o teste do remédio. Apenas esperam sinal verde do comitê de ética. "Estes materiais serão distribuídos em algumas casas noturnas, bares, lanchonetes que fiquem dentro das regiões de freqüência de nosso público-alvo", revela Ricardo que conta com a colaboração de Silvetty Montila, Bill da Pizza e Dindry Buck.

"A campanha é para chamar as pessoas a participarem de um estudo em pesquisa. No Brasil não existe uma cultura de participação como voluntários em ensaios clínicos", diz Gambôa. Sobre números de participantes, Ricardo diz que para esse estudo "se estipulou 600 pessoas para o Brasil. Dessas 600, 400 são do Rio de Janeiro onde há dois centros que estão tocando esse estudo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Oswaldo Cruz. Em são Paulo, serão 200 voluntários no Centro de Pesquisas da Faculdade de Medicina da USP". 

Se você se interessou e quer ser voluntário, o site do estudo pode ser visitado no endereço www.iprex.org.br.

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