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Especialista comenta importância de beijo gay em novelas

O jornalista Eduardo Peret defendeu em 2005 sua tese de mestrado em Comunicação na UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Intitulada "Do armário à tela global: a representação social da homossexualidade na telenovela brasileira", sua dissertação tem duas partes: uma compilação histórica de personagens gays nas novelas da Globo, desde a década de 70; e uma análise da novela Mulheres Apaixonadas (no ar em Vale a Pena Ver de Novo).

Nesta segunda parte da entrevista ao site A Capa, Peret fala sobre a importância de ter uma cena com beijo gay nas novelas.

Por que é (ou não é) importante um beijo gay na novela?

Todos os públicos que assistem e acompanham a telenovelas esperam, em algum momento, serem retratados nela, verem algum tipo de identidade. Inclusive as pessoas LGBT. Como acontece com qualquer minoria que conquista um espaço de visibilidade tão importante, comunidade quer se ver refletidas de verdade. E casais que mal se tocam, não se beijam e às vezes nem falam carinhosamente entre si não retratam a realidade dessas pessoas.

É uma grande conquista haver LGBT nas telenovelas, na proporção que aparecem atualmente. Afinal, poderia não haver nenhuma presença LGBT nas novelas – a emissora não é obrigada a tê-los. Mas os gays ainda não são qualitativamente bem representados.

O beijo é simbólico do Romantismo, muito mais do que o casamento. Basta ver quantos filmes, peças, dramas, novelas e comédias têm como ponto culminante o beijo do casal protagonista (e às vezes de outros casais) e quantos terminam em casamento. O beijo, inclusive, é o ato que sela a união no casamento, e o primeiro beijo ainda é profundamente simbólico entre os jovens, mesmo nos dias atuais. Então, quando se imagina dois homens se beijando apaixonadamente na novela, todos os preconceitos, todo o machismo, toda a discriminação (velada ou não) vem à tona.

Uma coisa é afirmar "eu não tenho nada contra gays"; outra é encarar, seja ao vivo ou pela TV, no horário nobre, na sala, com toda a família, a consumação romântica de um casal gay pelo beijo. Até mesmo pessoas mais avançadas e evoluídas ainda se sentem constrangidas ao verem um beijo gay, ainda mais quando estão entre familiares. Em parte porque nós somos educados para não manifestar paixão e trocar carinhos mais ardentes na frente de familiares; e também porque a homossexualidade ainda é muito vinculada ao sexo, ao desejo sem amor, a uma relação "não natural".

Então, mesmo que o beijo gay em si não seja muito importante, os conservadores acabam lhe dando grande importância negativa. Some-se isso aos milhões de LGBT que anseiam poderem se ver refletidos na TV – e mais ainda, que seus familiares também vejam o beijo, junto com eles – no horário nobre e temos uma medida da importância do beijo gay.

Homossexuais podem ver cenas de beijos gays na rua, na internet, em teatros, na literatura e em séries estrangeiras. Há ainda necessidade de acontecer um beijo gay nas telenovelas?

Bom, aí é importante salientar de que homossexuais estamos falando. O acesso à internet e às séries estrangeiras (em geral via TV a cabo) e mesmo à literatura, ainda é muito restrito no, especialmente nas áreas periféricas e rurais, além de muitas comunidades carentes. O Brasil é um país de grandes contrastes, onde ainda há elevadas doses de homofobia, racismo e machismo.

A novela ainda é um instrumento de penetração cultural muito forte, especialmente nas áreas fora das metrópoles e nas comunidades culturalmente isoladas. Ainda há cidades e povoados em que só há uma TV, que é ligada à noite na praça para que a população veja o jornal, a novela e a programação depois dela. Na cabeça dos conservadores – e isso inclui alguns diretores de emissoras – o impacto que um beijo gay causaria nessas populações é enorme e poderia causar retaliações e até perda de audiência. Daí, mesmo, a importância dele.

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Mestre em Comunicação analisa final de personagens gays em A Favorita

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