Casamento quase rosa
Na falta de um reconhecimento legal da união civil entre pessoas homossexuais, casais gays conseguem driblar o atraso do Legislativo, por meio de um documento que nem sempre é aceito pelo Judiciário. Confuso? Em entrevista exclusiva a revista A Capa, a advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral responde as principais dúvidas sobre o processo de registro de união estável. Ela é especialista em Direito de Família e Sucessões do escritório Mendonça do Amaral Advocacia e autora do livro "Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e Transexuais". Sylvia também é editora do site Amor Legal.
No Brasil não há reconhecimento da união civil homossexual. É possível, no entanto, um casal gay registrar legalmente sua união estável? Como?
O casal pode fazer uma escritura de união estável e registrá-la em cartório. Porém, como a união estável não está prevista em nossa legislação, esse documento pode ou não ser aceito pelo poder judiciário, caso tenha que ser levado até lá por conta de algum litígio ou pedido. O casal pode fazer essa escritura com outra denominação, por exemplo: pacto de convivência homoafetiva. O nome não menciona união estável, mas o seu conteúdo é o mesmo. Não passa de uma união estável "disfarçada".
O que é preciso para dar entrada nesse processo de registro?
A escritura pode ser feita em cartório, porém o que eles utilizam, via de regra, é um modelo, uma escritura padrão, para os casais. O ideal é que o casal busque assessoria para que sua escritura tenha detalhes que atendam mais suas necessidades e interesses.
Como esse registro é feito? Quem o faz e onde é possível fazê-lo?
Existem dois documentos que podem ser feitos: o contrato de união estável e a escritura de união estável. Ambos podem ter o mesmo conteúdo, só que a escritura é um documento mais sólido, já que feito perante um tabelião, que goza de fé pública. O contrato pode ser elaborado pelas próprias partes e registrado em um cartório de títulos e documentos, enquanto a escritura tem que ser feita em cartório de notas, perante tabelião.
Qual a diferença do contrato de parceria civil para a união civil?
Nos casos de uniões homoafetivas, existe uma vasta gama de terminologias, mas a essência é sempre a mesma: é uma união entre pessoas do mesmo sexo. O grande diferenciador é um documento de sociedade civil. Como muitos juízes não aceitam a união estável entre homossexuais, se chamados a decidir sobre assunto que os envolva, decidem como se a relação fosse uma sociedade de fato que é uma figura comercial, onde as partes teriam se unido com o objetivo de obter lucros, conjuntamente. Esses lucros podem gerar patrimônio, que teria que ser partilhado entre ambos, no caso do término da sociedade (no caso do rompimento da relação homoafetiva) decidem como se aquele relacionamento de afeto fosse um relacionamento comercial e isso pode causar vários prejuízos aos envolvidos. O maior deles é em relação à herança. Afinal, os sócios não são herdeiros uns dos outros, salvo se houver um testamento anteriormente feito.
Feito este contrato, quais são os direitos que o parceiro terá? Por exemplo, na união heterossexual existe o direito a pensão.
Teoricamente essa escritura faria com que ficasse comprovada a união entre aquele casal e isso poderia render-lhe os mesmos direitos que são concedidos aos heterossexuais (com base no direito à igualdade, previsto em nossa constituição federal), dentre eles o direito à pensão. Porém, como afirmei antes, esse documento é questionável. Muitas vezes não é aceito pelo simples fato de não estar prevista em nossa legislação a união homoafetiva.
Em caso de uma eventual separação, qual é o procedimento? A anulação do contrato de união?
Caso haja a separação do casal é importante que se faça um documento anulando o anterior para que não permaneçam vínculos "legais" entre o casal que não mantém mais vínculos emocionais.
Existe a possibilidade de um dos parceiros, se assim for o desejo, colocar o sobrenome de seu companheiro em seu nome?
Não. A legislação não prevendo união estável entre os parceiros, não admite que o nome seja alterado. Essa é uma possibilidade para os que vivem em união estável (falamos aqui apenas de heterossexuais).
O processo todo de união estável dura quanto tempo, desde a entrada em cartório até a finalização?
Isso varia muito de acordo com o documento que será feito, contrato ou escritura. Depende também da disponibilidade de tempo dos escreventes do cartório. Também poderá ser necessária a consulta a um advogado que irá orientar o casal e isso envolverá as condições de tempo do profissional para atendimento do casal e elaboração do texto.
Como o casal pode fazer para se proteger na eventualidade de um deles faltar? Testamento? Como seria?
Para os casos de falecimento, o mais importante é que tenha sido feito um testamento. É a única forma de se estabelecer desejos da pessoa a serem satisfeitos após sua morte. Só ele é capaz de cumprir essa função. Nos casos de homossexuais, é muito importante que seja feito testamento. O parceiro sobrevivente pode ser bastante prejudicado quando da abertura do inventário dos bens deixados por seu companheiro. O ideal é que quando ocorre o falecimento de um deles já tenha sido feita uma escritura de união estável (que pode ou não ser aceita) e um testamento que, via de regra, tem o poder de beneficiar o sobrevivente. Muitas famílias dos parceiros falecidos questionam a validade do testamento e da união entre eles na tentativa de obter para si a integralidade dos bens ou, no mínimo, uma fatia maior do patrimônio.
* Matéria originalmente publicada na edição #14 da revista A Capa – julho de 2008