O grupo de dança contemporânea Dança Pequena estreia no próximo dia 18/09, no Teatro Sesc Garagem, em Brasília, o espetáculo "O Espaço entre Rosa e Azul", que tem a proposta de discutir a dualidade dos gêneros e o peso dos rótulos na formação das identidades sexuais.
No solo, dirigido pelo coreógrafo e bailarino Édi Oliveira e interpretado pela bailarina Danielle Renée, uma personagem lésbica questiona o conflito entre a identidade que se possui e o corpo que se tem. A performance brinca com os signos e fetiches que ilustram os papéis de gênero e trata a sexualidade de forma ampla, com todos os seus contrastes e complexidades.
Para falar sobre o espetáculo, o site A Capa conversou com Danielle Renée, bailarina de formação clássica que integra a companhia desde 2005. Nesta entrevista, que você confere a seguir, Renée fala sobre o processo de criação do solo, discute seus reais objetivos e afirma que, entre o rosa e o azul, existem mil e uma cores.
Por que discutir a identidade de gênero?
O entendimento sobre a sexualidade humana ainda permanece uma fonte de incompreensões e mal entendidos, mesmo que ela seja foco de sérias pesquisas científicas e abordada por importantes e fundamentadas teorias psicológicas. Nos parece absurdo que ainda nos dias de hoje existam posturas fechadas e arredias à ideia de que a sexualidade humana não possui uma única forma de se manifestar, de que as variantes possíveis são múltiplas, e até mesmo intercambiáveis entre si. O espetáculo surge na tentativa de ilustrar e exprimir, através de uma abordagem artística, percepções e leituras referentes à questão da identidade de gênero e aspectos que a envolvem.
De onde veio a ideia do espetáculo?
A idéia do espetáculo surgiu a partir do meu desejo e necessidade, de abordar a temática da sexualidade. Inicialmente, o foco temático do espetáculo seria a homossexualidade feminina, mas durante o processo criativo a questão da identidade de gênero se fez mais presente e motivou mais fortemente a construção das cenas e de toda a estrutura do solo, permanecendo então como assunto foco do espetáculo.
Há quanto tempo você vem se preparando para este solo? Como foi essa preparação?
A preparação durou 6 meses, somando o período de discussões prévias sobre a temática, laboratórios coreográficos, preparação física, fase de construção das cenas, seleção de trilha musical, confecção de cenários e figurinos e estrutura dramática do solo. A preparação se focou mais no potencial de interpretação e sensibilização da intérprete sobre o tema do que na construção das coreografias em si, resultando em um espetáculo com forte teor performático e teatral. Ocorreram laboratórios de sensibilização, de construção textual, de composição coreográfica, discussões contínuas sobre a temática, tudo no intuito de fortalecer e esclarecer os aspectos componentes da personagem e das cenas.
De que forma a dualidade macho-fêmea é traduzida no espetáculo?
A dualidade macho/fêmea aparece no espetáculo através de signos e até mesmo clichês que até hoje são usados para ilustrar e determinar padrões comportamentais do homem e da mulher, da infância à idade adulta. No espetáculo, estes signos são deslocados e ganham novos significados de maneira sutilmente irônica e poética.
Que referências externas sobre gênero e sexualidade você utilizou para construir sua personagem?
Além de nossas próprias experiências e referências de crescimento e amadurecimento como mulher e homem gay (intérprete e diretor), buscou-se referências em histórias e experiências de pessoas conhecidas e também em textos acadêmicos e literatura sobre o tema.
Você acredita que é possível pensar em múltiplas identidades sexuais? Como essa questão é tratada no espetáculo?
Sim. A ciência e a psicologia já catalogaram mais que apenas duas identidades de gênero possíveis, indo muito além da ditadura determinada pelo binômio macho/fêmea. Heterossexuais, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais etc, compõem sexualidades não engessadas em si mesmas, mas com variantes comportamentais, psicológicas, afetivas, que podem até mesmo se mesclar e emprestar características umas às outras. O espetáculo ilustra essas mesclas possíveis no corpo, história e atitudes da personagem lésbica que questiona e responde ironicamente as taxações e ofensas que recebe, que expõe agressivamente o que tem a dizer, que exprime força e fragilidade, doçura e agressividade ou executa atitudes ditas "masculinas e femininas" em um mesmo corpo e contexto.
A trilha sonora tem papel determinante na forma como vocês discutem a questão da identidade de gênero?
A trilha sonora opta pela sonoridade do rock. Músicas que exprimem agressividade, força e rebeldia, cantadas apenas por mulheres, ajudam a construir um clima de questionamento, de posicionamento firme e ironia, reforçando o discurso da personagem.
Como o corpo e a palavra dialogam para contar a trajetória da protagonista?
Apesar de se tratar de um espetáculo de dança, a presença da palavra em forma de textos vem auxiliar na compreensão da abordagem temática e na apresentação do universo da personagem, expondo suas opiniões, memórias, questionamentos. O texto entra na mesma sintonia das coreografias, mesclando momentos de doçura, agressividade e até mesmo revolta.
Vocês pretendem viajar com o espetáculo para outras cidades do país?
Viajar com um espetáculo é sempre uma expectativa do artista. No entanto, essa expectativa está subordinada a diversos fatores: agenda, patrocínio, convites, produção etc. Por isso, preferimos primeiro dar vida ao espetáculo, entender como será a receptividade do público, como ele funciona, como ele se comunica com o imaginário da plateia, para então podermos conhecer o real produto que temos nas mãos e pensar na necessidade ou não de modificações. Só a partir daí pensamos mais concretamente em apresentar o espetáculo a festivais ou responder a convites, além é claro da expectativa de contar com apoio ou patrocínio que viabilize a circulação do espetáculo. Mas não há como negar que um dos objetivos da montagem de um espetáculo é sempre dar vida longa a ele, podendo apresentá-lo a públicos diversos.
Serviço:
O Espaço entre Rosa e Azul
Data: 18, 19 e 20 de setembro
Horário: 21h (sexta e sábado) e 20h (domingo)
Local: Teatro Sesc Garagem – 913 sul – Brasília (DF)
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)