No último sábado (15), nossa equipe acompanhou de perto o primeiro casamento comunitário da Igreja Contemporânea. Chegamos cerca de duas horas antes da cerimônia, que estava agendada para às 19:30. Os últimos detalhes ainda ganhavam vida.
Antes de aguardar pelos pastores, para a entrevista, demos uma passeada pelos corredores da igreja, que está em São Paulo desde janeiro de 2013. No altar, o tecladista, o clarinetista e o saxofonista ensaiavam a marcha matrimonial. Em um dos cantos ajustavam a mesa de som e as noivas recebiam os últimos retoques na maquiagem.
Sempre entre o Rio de Janeiro e São Paulo para administrar as igrejas, os pastores Fábio e Marcos, juntos há 7 anos, nos receberam para um bate papo antes da cerimônia que reuniria seis casais homossexuais: Rogéria e Natália; Sergia e Silvana; Priscila e Joice; Alcir e Edvaldo, e Reginaldo e Jânio.
Redação: É o primeiro casamento que vocês celebram aqui?
Pr. Marcos: Coletivo, sim. A gente já fez outros casamentos individuais.
Redação: A igreja está aqui há pouco mais de um ano…
Pr. Marcos: Inauguramos em janeiro, no final de janeiro (de 2013).
Redação: Conte um pouco da história da igreja aqui em São Paulo.
Pr. Marcos: Nós recebemos muito pedidos para abrir a igreja aqui. No Rio nós já tínhamos fundamentado uma base bacana em seis anos e muitos membros pediam para virmos pra cá. Quando viemos nos surpreendemos porque era um público muito grande.
Redação: Em São Paulo só tem essa igreja?
Pr. Marcos: Sim, mas pretendemos expandir. Queremos abrir uma no ABC, onde temos muitos fiéis, na região do litoral paulista também e no vale (São José dos Campos, Taubaté).
Pr. Fábio: Até outubro devemos abrir.
Pr. Marcos: Estamos correndo atrás das pessoas que cuidarão dessas filiais.
Redação: Vocês são do Rio? Viajam sempre para São Paulo?
Pr. Marcos: Todos finais de semana eu viajo para cá.
Redação: Por que fazer um casamento comunitário quando vocês já realizam os individuais?
Pr. Marcos: Recebemos vários pedidos e decidimos encaixar tudo numa data só. Até porque é um presente que a igreja pode dar para os casais.
Pr. Fábio: A nossa igreja dá muito valor a família, ao casamento e a união a dois. Nós temos um programa de incentivo à adoção. Na verdade, nós estamos vindo na contramão do que a sociedade e, às vezes, o próprio gay acredita de um relacionamento homossexual. Muitas vezes um relacionamento homossexual é visto como algo descartável. Ficar com um hoje e outro amanhã. Nós mostramos que é possível construir uma família.
Eu e o Pr. Marcos estamos junto há 7 anos. Nós nos casamos e fizemos o processo de adoção, hoje nossos filhos têm 10 e 12 anos, mas quando adotamos um tinha 7 e o outro 9. Nós tentamos mostrar aos membros da igreja que a família vale a pena.
Nós temos o grupo "Família Contemporânea", já funciona no Rio e queremos implantar aqui também. É um grupo com advogados e psicólogos que dão palestras de como adotar uma criança, principalmente as mais velhas. E quando falamos de viver a dois, de criar uma família, o casamento é o primeiro passo.
Temos hoje aqui um casal há 19 anos juntos. Antigamente esse amor era clandestino, já que segundo as pessoas a relação homoafetiva não era reconhecida por Deus e muito menos pelos homens. Mas agora o Brasil mudou e é possível. Fizemos esse casamento coletivo para isso, para mostrar que é possível. Para incentivar os demais.
Mas é algo sério. Nossa igreja não faz casamento para casais que não estão casados no civil há, pelo menos, um ano.
Pr. Marcos: Já chegamos a receber pessoas com uma semana de relacionamento e pedindo para noivar. Nós não fazemos. É ilusório achar que em uma semana você conhece ums pessoa. Casamento é sério. Queremos fazer algo duradouro, até para que possam dar entrada no processo de adoção que falamos antes.
Redação: Quantos casais temos hoje?
Pr. Fábio: Temos cinco, teve um casal que teve problema e não pode casar hoje. Muita gente da igreja queria casar, mas não foi possível por conta da regularização da papelada e do prazo de um ano que nós pedimos.
Já tivemos também caso de pessoas que vieram de casamento hétero, separou, mas não regularizou o divórcio. E tem que regularizar ou não fazemos. Se com hétero é assim porque com gay não vai ser?! Lutamos tanto por igualdade.
Há casos que outra parte não quer dar o divórcio. Lembro de um caso que chega a ser engraçado. Uma transsexual, que antes de se aceitar teve um casamento com uma mulher, se separou, mas a esposa não queria dar o divorcio, sempre recorria. Quando chegou a última instancia a trans já estava com seios e tudo, só faltava cirurgia de mudança de sexo e a esposa não queria assinar, aí juiz questionou: "A senhora ainda quer ficar casada com essa outra senhora?" Só ali ela se deu conta e decidiu assinar o divórcio.
Redação: No Rio vocês já fizeram algo assim?
Pr. Marcos: Não, é o primeiro da igreja!
Redação: Para muitos é impossível ser evangélico e gay. Qual a opinião de vocês?
Pr. Marcos: É possível. Tanto é, que nós vivemos essa realidade. Tem várias pessoas que escolheram viver essa fé que nós vivemos. A bíblia não condena a homossexualidade, não condena o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. O que ela condena são atos isolados de promiscuidade, Claro que há muito preconceito na religião em si, como o próprio negro já sofreu, como as mulheres já sofreram, e sempre usaram a bíblia para isso. É preciso entendê-la no contexto atual.
Pr. Fábio: O interessante é que, muitas vezes, o preconceito vem do próprio gay. Eu sei disso porque eu já fui assim. Eu fui pastor da Igreja Universal por quatro anos e quando eu sai, eu tinha certeza que gay e religião não combinavam.
Já ouvi muito que lugar de gay é na macumba. Acredito que já passamos dessa fase. Hoje o gay está no espiritismo, está na igreja… Lugar de gay é onde ele quiser, onde ele se sentir bem.
Pr. Marcos: O importante é sempre respeitar nossos direitos. Cada um poder viver onde quiser. Estar onde quiser estar. É importante respeitar o desejo das pessoas. Tem quem acredite que gay tem que viver solteiro e tudo bem. Cada um tem direito de viver como quiser. Nós acreditamos que o gay também pode ter uma família. No nosso entendimento o homem foi criado para ter uma família.