Na tarde de hoje foi instaurado processo contra o Exército Brasileiro (Região Sudeste) por homofobia dentro da lei estadual 10.948/01, de autoria do deputado Renato Simões, que prevê sanções a locais privados e repartições públicas, quando houver discriminação por orientação sexual. Os motivos alegados para a realização do processo é de que os sargentos homossexuais Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo foram presos em São Paulo com esquema de segurança desnecessário, sofreram violência físicas e verbais e, negação de atendimento médico a Laci. O processo começa a correr a partir de amanhã.
O anuncio do processo aconteceu na tarde de hoje durante coletiva do ex-sargento Fernando juntamente com autoridades do Condepe – Conselho Estadual dos Direitos Humanos – SP, órgão da secretaria de justiça. A entrevista tinha por objetivo divulgar que a tortura e a homofobia sofridas pelo casal de militares serão denunciadas à comissão de Direitos Humanos da ONU (comissão internacional para os Estados Americanos). Neste processo quem responderá será o Governo Brasileiro.
Lucio França, do Condepe, que está apoiando o ex-sargento no processo estadual, declarou que houve uma nula tentativa de diálogo com o Ministro da Defesa, Nelson Jobim. "O problema é a homofobia, há um silêncio das autoridades em relação ao caso", afirmou França. Segundo ele na próxima semana o órgão deve solicitar audiência com o presidente Lula para falar sobre o tema.
Lucio diz também que desde que o caso começou a sair na mídia membros do alto escalão do exército tem feito lobby junto de parlamentares que tem questões ligadas às forças armadas e isso tem intimidado muita gente. "Vocês não tem idéia do que eles são capazes, quando eles (Fernando e Laci) estavam em São Paulo para gravar o programa, o apartamento deles foi invadido e todo quebrado". Ele faz outra revelação a respeito do laudo de deserção, "é importante que vocês saibam que este laudo é uma farsa. Para se ter deserção precisa de oito dias de ausência e não houve. O laudo médico data de 29/05, e a ordem de prisão data 03/06, ou seja, a deserção é uma farsa."
Sobre os laudos Lucio conta que "os médicos do exército seguem uma lei criada na ditadura que permite a eles não seguirem o CRM (Conselho Regional de Medicina)." "Há também uma hierarquia. Vocês podem olhar no processo. Há um laudo de um sargento médico que atesta que Laci tem problemas psicológicos, mas há outro que de um General que diz que o mesmo Laci não apresenta problemas. O que vale é o segundo. E eles não querem permitir exames por médicos civis."
Fernando explicou ainda os reais motivos que o fizeram pedir baixa da instituição. "A cada semana eles criavam uma denuncia, era preso e surgia outra. Aí eu saí e eles me chamaram novamente e ameaçavam fazer nova denuncia. E, isso não era bom para o Laci". Ele também conta que as ameaças não pararam de todo, mas ele diz estar tranqüilo e conta que "agora eles querem me processar por ocultação de companheiro. Isso é mentira, todo mundo sabe onde moramos, essa é outra farsa montada por eles".
Sobre o atual estado de saúde do companheiro, Fernando conta que esteve com ele na última sexta-feira (04/07) e no momento ele está tenso demais. "Os remédios (anti-depressivos) dele acabaram, e há toda uma burocracia para estes medicamentos entrarem. O exército não quer assumir a doença dele. Retiraram livros, rádio e um caderno onde ele escrevia. A tortura física parou, mas a psíquica continua diariamente. O meu maior medo é que ele saia com traumas psicológicos irreparáveis".
Se há a possibilidade de um pedido de baixa por parte de Laci, Fernando diz que ainda não. "Com isso ele assumiria a sua deserção. Mas, depois que o processo todo acabar a intenção é pedir baixa". Sobre a vida de ambos pós-processo Fernando fala do objetivo do casal. "Nós iremos montar uma ONG para atuar em cima desses casos de discriminação sexual e pessoal dentro das Forças Armadas".
Na questão da tortura o Fernando afirma que "todo mundo que passa pelas escolas das Forças Armadas é torturado. Eu fui torturado, aprendemos técnicas de guerrilha e contra guerrilha, eles chamam de Oficina da Tortura. Funciona assim: recebemos uma frase e quem conseguir manter em segredo por mais tempo ganha pontos e você passa por vários tipo de tortura: pau de arara, poste argentino (eles amarram você e pulam em cima), choques elétricos, espancamento com toalha,pois assim não fica a marca".
Fernando conta também que a prisão das forças Armadas é uma "fábrica de loucos". "Laci é torturado todos os dias. Não só ele, outros também. O torturador dele fica no mesmo espaço fazendo ameaças diárias, durante a noite fica fazendo barulho para ele não dormir, ele já ficou mais de três dias sem dormir".
Apesar de toda a situação pela qual está passando, Fernando diz que não se arrepende de nada. "Olha, hoje a única coisa que penso é que deveríamos ter pedido baixa no começo de tudo, em 2006, assim nada disso teria acontecido. Mas, hoje acredito que estamos ajudando muitas pessoas, pois há muitos lá que sofrem a mesma coisa".