Victor Argelaguet (foto) é presidente e um dos sócios fundadores da Gaylespol, Associação de Policiais Gays e Lésbicas, fundada há três anos em Barcelona, na Espanha.
Com o propósito de combater a discriminação no ambiente policial, a associação já conta com 60 integrantes provenientes de todas as partes do país. No ano passado, a Gaylespol deu um de seus passos mais importantes ao participar da 4ª Conferência Europeia de Policiais Gays e Lésbicas, que reuniu diversas outras organizações para discutir a homofobia e a violência praticada por membros da polícia contra homossexuais.
O fato de policiais gays se reunirem em associações é uma realidade em lugares como Espanha, Inglaterra e Itália. Apenas nesse último país a situação é um pouco diferente: a Polis Aperta, o equivalente à Gaylespol, é uma associação totalmente clandestina, o que, no entanto, não a impede de combater com seriedade os crimes de motivação homofóbica.
Nesta entrevista exclusiva, Victor Argelaguet, que também é membro da Guarda Urbana da capital catalã, fala sobre a atuação da Gaylespol, sua importância para a visibilidade de policiais gays e lésbicas e ainda sobre os avanços na luta contra a discriminação sexual na profissão.
Como começou a ideia da Gaylespol?
A ideia surgiu após eu morar na Holanda e entrar em contato com a associação de policiais gays desse país e ver que era importante visibilizar essa diversidade para mudar determinados preconceitos e atitudes discriminatórias. Além disso, devemos partir do princípio que a missão da polícia é garantir os direitos e liberdades, e daí a importância de fazer com que todos os agentes vejam que lutar contra a homofobia e qualquer outra discriminação faz parte de seu trabalho.
Quantos membros tem a associação?
Atualmente, a Gaylespol conta com 60 sócios pertencentes a todos os corpos da polícia espanhola.
Como funciona e atua a Gaylespol?
A primeira linha de atuação é a formação de policiais. Tratamos de impregnar nossos colegas de nossas experiências, de nossos conhecimentos sobre a diversidade sexual e lhes proporcionar ferramentas para a luta contra a discriminação. Também promovemos campanhas para que o público denuncie todos os atos discriminatórios, já que é comum ver que alguns crimes ainda ficam impunes, principalmente em áreas de pegação ou locais frequentados pelo público gay.
A homofobia é grande na polícia espanhola? Há casos conhecidos de discriminação?
Ao entrar na polícia há 14 anos acreditava que minha vida era incompatível com o ambiente de trabalho. Então as referências aos gays não eram muito agradáveis. O assédio e o linguajar agressivo mudam radicalmente quando alguém sai do armário, porque as pessoas percebem que não estão sozinhas.
Sendo o meio policial ainda muito machista, como as mulheres lésbicas, por exemplo, atuam dentro da organização?
Na medida em que 90% dos policiais são homens, é certo que perduram certas atitudes e preconceitos machistas acerca das mulheres ou dos homossexuais. Mas devo reconhecer que há avanços, mas ainda falta muito trabalho a fazer. Na verdade, o principal problema é que muitas pessoas ainda não entendem que ser homossexual é como ser heterossexual, e nada mais.
No Brasil, já houve casos de violência contra homossexuais que envolviam membros da polícia. Sabe de alguma ocorrência desse tipo em seu país?
Antigamente a polícia na Espanha dedicava-se com muito esmero à repressão dos homossexuais. E isso não faz tanto tempo assim. De qualquer forma, a polícia mudou muito rápido e para melhor. Creio que em geral esta etapa está mais que superada na Espanha e os casos de ataques homofóbicos protagonizados por policiais são quase isolados, inexistentes.
Na Espanha, é crime discriminar homossexuais?
No nosso país, cometer um delito com motivação de discriminar um gay ou uma lésbica é delito grave, assim como negar um serviço ou um emprego público por homofobia. E também os discursos que incitam o ódio ou violência contra um grupo de pessoas também são considerados crimes.
Existem organizações de policiais gays em outras partes do mundo?
Atualmente existem organizações parecidas na América do Norte, Europa e Oceania. No resto do mundo, ainda hoje, em muitos países é pior ser gay do que roubar um banco.
Há casos de policiais transexuais na Espanha?
Sim, há vários casos de agentes que entraram como Francisco e agora se chamam Isabel. Não houve problemas para sua continuidade na polícia.
Há intenção da Gaylespol em trabalhar com organizações gays no Brasil?
Com certeza, estamos formando uma parceria com uma entidade na Colômbia e, em 2007, estivemos promovendo uma capacitação da Polícia do Distrito Federal, no México.
O que você sabe sobre nossa polícia?
Conheço muito pouco a polícia no Brasil. Estive recentemente em Portugal e me falaram dos preconceitos contra a comunidade gay nos dois países. A cultura machista é bastante dominante, como na Espanha, mas pouco a pouco vai se abrindo espaço para a cultura do respeito à diversidade.
É difícil para um policial sair do armário?
Existem muitos policiais gays, mas que ainda não se assumiram. Muitos deles construíram o discurso de que ser gay faz parte da vida privada. De outro lado os heterossexuais vivem com absoluta normalidade, são casados, têm filhos, formam uma família. É por conta desses preconceitos e da "cultura policial" que muitos têm medo de sair do armário e também porque acreditam que essa atitude irá prejudicar suas carreiras.