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Filme do Satyros dá luz aos invisíveis de SP, traz visibilidade trans e expõe ferida aberta

Dar voz e luz à dor, à melancolia e aos anseios mais íntimos dos invisíveis que habitam o centro de São Paulo. É com essa premissa que o filme "Hipóteses Para o Amor e a Verdade" – o primeiro da companhia teatral Satyros – convida o espectador para uma experiência inovadora, reflexiva e até mesmo transformadora dentro do cinema.

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Na telona, 11 protagonistas anônimos, reais, solitários e aparentemente distintos deixam de ser meros números de noticiários e pesquisas. E, humanizados, se esbarram no quebra-cabeça das relações espinhosas, virtuais e perturbadoras.

Dentre os destaques, uma garota de programa grávida (Madalena/ Luiza Gottschalk), uma senhora vítima de AVC (Soledad / Phedra de Córdoba), um traficante que doa esperma para povoar o mundo (Adão/ Paulinho Faria), uma cuidadora que sonha com um amor verdadeiro (Socorro/ Esther Antunes) e um funcionário careta que se permite à luxúria a noite (Tiago Leal). Todos interligados pelo sentimento de solidão.

Contraditórios e apaixonantes. Banais e incríveis. Reais e dignos de obras de teor surrealista, eles dão um certeiro soco no estômago do espectador, que se identifica com um ou todos os personagens. E sente o despertar de feridas expostas e emoções quase esquecidas. "O filme retrata essa multidão solitária de hoje em dia, de quem combina e não aparece, de quem recebe a mensagem e não responde, de quem vive correndo. É muito significativo, sensível e necessário", diz Esther ao A CAPA.

Com roteiro de Ivam Cabral e direção de Rodolfo Garcia Vázques, a obra dissolve de maneira inovadora e corajosa a fronteira entre o teatro e o cinema, mantendo e criando a identidade do Satyros na sétima arte.

Atores conversando com a câmera, diálogos teatrais (pouco naturalistas), cenas divididas nos takes Luz, Consolação e Paraíso (nomes de bairros paulistanos) e incríveis metáforas – como a da mulher plastificada, para falar sobre relações tóxicas, possessivas e de objetificação da mulher – dão a tônica. "A gente não quis esquecer o teatro", reconhece Ivan no bate-papo após a estreia.

O espectador se emociona também com a poesia das cenas, que vai desde o inferninho dos clubes a uma linda cena de suicídio, os cenários e a trilha. O ator ciborgue, a inserção de tecnologias e o fator transgressor foram canalizados para a lente do cinema. No início do filme, por exemplo, é exibido o ultrassom de Luiza, que estava de fato grávida. E, ao fim, o parto dela é gravado e transmitido.

"Quando fui convidada para o filme, eu estava grávida de cinco meses da Nina e voltando da Alemanha. Surgiu a ideia de eu gravar grávida, e tivemos que gravar todas as cenas antes de ela nascer. Foi uma loucura", diz ela. Uma loucura com resultado incrível. 

A Phedra é Pop e outros feitos

"Hipóteses" é fiel à peça homônima, que foi encenada em 2010 e que foi sucesso de público e crítica. Desta vez, com o plus do personagem de Ivam – um homem que vive a rejeição da esposa após o assassinato da filha – que dá a sensação de um trabalho completamente novo para quem assistiu no teatro. E a ausência sentida do ator Léo Moreira Sá, que é um homem trans e um dos destaques do teatro, que fala sobre a prisão e o casamento com uma travesti.

Tida como participação especial, Nany People interpreta uma radialista, que por meio da narrativa e dados estatísticos sobre São Paulo conduz a obra, e também vive a vida noturna. Desta vez, é a veia de atriz que é explorada e a interpretação fica longe da forte figura de Nany, atrelada ao stand up, nas participações em programas de TV e na antiga figura de drag queen. Um brinde à carreira da atriz, que galga nos últimos tempos grandes personagens.


A visibilidade trans também está presente com a diva Phedra – que emociona sem dizer uma única palavra. "Aquela personagem velha existe, mesmo. E o Soledad vem de solidão. Como ela não tem fala, trago toda a interpretação no olhar e nas expressões faciais. Certa vez fiz uma boca torta de brincadeira e o Rodolfo disse: 'É isso, quero isso' E entrou para a cena", declara.

E a diretora e atriz Esther Antunes: "Busquei o máximo da alma da mulher solitária, que está em conflito na busca pelo amor. Ela sofre com a solidão daquela senhora, pois também se vê naquela mesma situação no futuro".

Ivam declara que o filme é uma "declaração de amor a São Paulo". Um amor meio esquisito e com personagens reais. Mais que isso, "Hipóteses" é uma declaração de amor à vida e um recorte de uma realidade nua e crua. Evoca a frase, que era dita na peça, mas que foi cortada do cinema: "Eu ainda estou vivo". E todas as implicações, impulsos, desafios e desânimos que esta vida sugere ao terminar de dizer. Transformador. 

Que tal? O filme está sendo exibido no Caixa Belas Artes, em São Paulo. 

Assista ao trailer: 

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