in

Garotos michês continuam em cartaz em SP; compare as duas peças sobre o tema

O mês de agosto recebeu as estreias de duas peças teatrais em São Paulo, que abriram temporada quase simultaneamente: "Garotos Noturno" e "Garotos da Noite". Ambas semelhantes não apenas nos títulos, mas na temática: o universo dos michês paulistanos.

A primeira estreou em 4 de agosto. "Garotos Noturno" tem texto de Gladston Ramos e direção de Sebah Vieira, e um elenco formado por nove atores. Todos interpretam garotos de programa às voltas com as agruras da profissão. Alguns atores também se revezam em outros personagens – basicamente, os clientes dos michês.

O problema do espetáculo começa no texto, que na ânsia de retratar todos os dramas dos michês acaba se perdendo e ficando sem foco. Não existe um protagonista definido e a plateia fica perdida, acompanhando histórias e episódios que muitas vezes não são concluídos ou ficam soltos no espetáculo.

Depois, vem a direção. Faltou impor uma unidade ao conjunto, para que o resultado final criasse a ideia de um mosaico sobre a profissão. No fim o espetáculo fica parecendo com uma tapeçaria ainda não finalizada, não alinhavada.

Contribui para isso a opção por estranhos números musicais que entremeiam a narrativa. São coreografias abstratas que não dizem a que vieram – mesmo por que são executadas com certa dificuldade pelos atores. Esses, por sua vez, demonstram inexperiência no ofício da atuação. Falta segurança e presença em praticamente todos, com exceção de Fernando Cursino.

Apesar de tudo, sobram alguns bons momentos, como a cena em que um dos michês é entrevistado por uma voz em off – gravada pela drag Lully Fashion, que mesmo sem dar as caras, rouba a cena só com a voz.

Já "Garotos da Noite", que estreou em 12 de agosto, se sai melhor. Com texto de Thiago Salles e direção de René Ramos, o espetáculo consegue montar um retrato mais profundo do tema. Em primeiro lugar, porque elege apenas três personagens: os michês Cabral, Bambolê e Estrela.

Focando nos três, o texto consegue aprofundar os dramas e situações de cada um. Assim, o espectador consegue de fato conhecer cada um deles, entender quem é quem, de onde vieram, para onde desejam ir etc. Ou seja, os personagens ganham tridimensionalidade.

A direção também opta por algumas boas saídas. Os três atores encarnam rapidamente personagens paralelos, e para isso se utilizam de bizarras máscaras que criam um efeito interessante e irreverente. Os intérpretes demonstram segurança no palco, o que também ajuda bastante.

Por fim, o jogo entre os três é instigante. O autor Thiago Salles encarna o sentimental Cabral, resistindo em se entregar à profissão e desejando mudar de vida; Chico Ribas, como Bambolê, escolhe o exagero e acaba se saindo bem, criando um tipo próximo de desenhos animados e HQs, mas ao mesmo tempo realista; e Wilsinho Torres faz o "michê do mal", o vilãozinho do mercado, com certa veracidade.

O ponto fraco acaba sendo o desfecho, que busca dar um final a cada personagem e assim escolhe caminhos que vão do previsível ao moralista. Apesar disso, o espetáculo tem um saldo bastante positivo.

O universo dos michês, que tanto fascínio exerce entre os não-michês, sempre foi tema excitante para o cinema e o teatro. O espetáculo "Blue Jeans", de Zeno Wilde, marcou época nos anos 80 e início dos 90 e ganhou diversas montagens. No cinema, Gus Van Sant atingiu a perfeição ao abordar o tema com tintas pasolinianas em "Garotos de Programa" (My Own Private Idaho).

Talvez um dia se descubra que, no fundo, a vida dos michês não é tão emocionante assim. Enquanto isso, novas visões sobre esse universo virão à tona. Os resultados variam muito e ao público fica a oportunidade de conferir e tirar suas próprias conclusões. Os garotos (todos) continuam em cartaz.

Serviço:
Garotos da Noite

Sexta e Sábado, 21h / Domingo, 19h
Teatro Cacilda Becker – Rua Tito, 295 / Lapa
R$ 10 – Até 18/09

Garotos Noturno
Quinta, 21h
Teatro do Ator – Praça Roosevelt, 172 / Consolação
R$ 20 – Até 27/10

São Paulo Boteco Week inicia sem bares GLS participantes

O avanço do Estado Evangélico