Parece roteiro de cinema, mas não é. G. (o entrevistado optou por não revelar o nome) manteve uma relação homossexual por mais de 18 anos. "Esse é o tempo de casamento, sem contar a época de namoro", lembra G. ao falar sobre seu companheiro que faleceu no ano passado. "Uma semana depois minha cunhada disse que eu teria que deixar a casa, na verdade eu fui posto na rua feito um cachorro", continua.
Juntos, G e seu companheiro constituíram um lar e adquiriram bens, porém, como a maioria dos casais gays, não tinham documentos em conjunto e apenas os amigos para comprovar que foram um casal. Por esse motivo, a família do companheiro de G. tomou todos os bens de ambos e o expulsou de casa. "A irmã dele nunca nos deu um centavo, muito pelo contrário, agora está lá na nossa casa", conta. No dia em que G. foi parar na rua, os familiares de seu companheiro chegaram até a pegar suas roupas. "Jogaram tudo na calçada. Os meus sapatos eles não devolveram, apenas parte das roupas", relembra.
Hoje, G não tem mais casa, emprego e vive do favor "de alguns amigos". Da família só tem contato com o irmão "Mas ele não tem como me ajudar", conta. Desempregado há meses, nosso entrevistado diz que não consegue trabalho "nem como faxineiro". G. sofreu forte abalo psicológico na época. "Eu achava que ia morrer, tinha medo de pegar ônibus", afirma ele ele, acrescentando que só conseguiu superar o trauma ao participar de terapia em grupo e passar por um acompanhamento psicológico.
No momento, G. tem o apoio jurídico do Grupo Matizes do Piauí, onde mora. Com ajuda da entidade, entrou com recurso no Instituto de Previdência do Município de Teresina (IPMT), requerendo pensão por morte de seu companheiro. Marinalva Santana, do Matizes, diz que a pensão é possível e mais fácil de conseguir, porém, reaver a casa "é mais difícil", pois será necessário um processo de colhimento de provas e depoentes que possam comprovar a relação.
Vitoriosa
Telma Oliveira, 37, passou por experiência parecida mas, felizmente, com desfecho mais feliz. A agente de saúde foi casada por nove anos com a sua companheira, que também era funcionária pública e faleceu vítima de câncer em 2007. "Após um mês da morte dela, apareceu aqui a irmã dela com um caminhão, elas entraram e começaram a levar tudo", conta. Desesperada, Telma lembra que implorou para não levarem todas as suas coisas e que a deixassem dormir naquela noite em casa.
Com a ajuda dos vizinhos, ela fez Boletim de Ocorrência na Delegacia das Minorias. Assim como G., Telma conta que ficou surpresa com a reação dos familiares, pois eles mantinham boa relação com o casal. A servidora pública também tem o apoio do Grupo Matizes e já obteve a primeira vitória. "Conseguimos provar que éramos um casal e o IPMT me garantiu o direito à pensão", revela. Em relação a casa, uma audiência será marcada e Telma está otimista, pois já conseguiu provar que ela e a companheira constituíam família.
Marinalva Santana diz que tais situações são muito comuns e atingem todas as classes sociais de casais homossexuais. A respeito disso, ela conta uma história parecida com a de Telma. "Uma professora de História de universidade ligou aqui pedindo orientação, pois também é casada", lembra. A ativista ressalta que há "falta de informação" e por causa disso os casais ficam sujeitos a esse tipo de situação. Para suprir esta lacuna, a diretora do Grupo Matizes adianta que o grupo lançará em maio uma campanha para orientar os casais gays, cujo lema será "Viva o amor sem medo".