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Gays de Direita?

Antes de iniciar, gostaria de deixar claro que nunca fui nem serei filiado a partido algum e não me considero, nem "de direita"; nem "de esquerda" e muito menos "de centro". Acho essas visões pra lá de envelhecidas e penso que o mundo é bem mais colorido que apenas o branco e o preto. Ou o vermelho… E é isso que constrói a felicidade e , até mesmo Direitos, nunca dicotomias e maniqueísmos.

Estamos em 2010, o muro de Berlin caiu faz tempo, União Soviética não existe mais e a Guerra fria acabou. Se usamos tanto, hoje, a palavra "diversidade", que ela também seja aplicada nos novos conceitos e além de posicionamentos políticos tão ultrapassados. Já descobrimos que o ser humano é bem mais complexo, rico em suas incongruências , bem como a sociedade que ele constrói e vive.

Também não acredito no governo que aí está, não gosto do Lula, que vive sorrindo , fala muito "apóia" muito, mas pouco faz/ fez pelos LGBT; não gosto da Dilma, que reproduz uma arrogância e falsidade que me incomoda, não gosto do PT, que nega seus graves erros.

No entanto, fico , digamos, perplexo com o crescimento de algo que me parece equivocado e uma grave armadilha. Algo que eu chego mesmo a duvidar que possa existir, de tão ingênuo e romântico que sou… risos… : Os gays "DE DIREITA".

Um homossexual como eu, já de "certa idade" e que vivenciou o autoritarismo e a ausência de liberdade que existia na ditadura militar, que foi perseguido em sua orientação e sem nenhuma possibilidade de reclamar, não pode compreender como, hoje, possam existir homossexuais jovens e velhos defendendo um regime que causou muita, mas muita infelicidade e sofrimento, que calou a boca de muita gente e  foi, sim, extremamente homofóbico (apesar dessa palavra ainda não existir…); defensor do machismo, do patriarcado, da censura e etc. etc. etc. Hoje há blogs, comunidades no Orkut e outras redes sociais, sites, ong’s (inclusive….ong’s), de gays que dizem, cheios de orgulho, que são "de direita".

Até aí, tudo bem, morreu neves! Você tem o direito de ter o lado que for.  Mas o que vejo é bem mais grave, perigoso demais e uma armadilha: o revisionismo. Revisionismo agora aplicado e validado por esses homossexuais que se dizem "de direita". Outro dia, num site de "gays de direita", li o absurdo de que nunca houve tortura no período 1964/1985, um gay falando isso, dizendo que a tortura era uma mentira. Igualzinho aos revisionistas e negacionistas que negam o Holocausto.

Ora, eu também tenho medo que a Dilma seja eleita. Disse que não gosto dela, mas não gosto da Dilma de hoje, corroída pelo poder. Porém, não vou começar a criticar o passado dela nem a sua juventude de guerrilheira que foi, por que isso me parece ser o que ela tem de melhor,  ou seja, o seu passado. Nele havia sonho, havia coragem, havia revolta e tem uma grande distância do que ela foi e do que ela é, hoje. Minha mãe tem uma explicação meio fatalista para isso, ela diz que "a Lira dos 20 Anos é só uma vez na vida". Prefiro não ver assim, por que tenho exemplos dentro da História de gente que foi rebelde e fiel aos seus ideais até a morte.

Mas esse medo da eleição de Dilma e do continuísmo petista; do crescimento de ditaduras da Esquerda, assumidas, como Cuba, ou disfarçadas como na Venezuela ou Bolívia, não me leva a validar os crimes da Direita, no passado recente, nem a herança conservadora que deixaram. Não me leva a negar o que sofremos na mão de militares. Mesmo por que isso, além de burro, além de ser um tiro no pé, é desnecessário. Nesse desnecessário é que entra o absurdo da coisa. Por que, para apontar as hediondas falhas do governo, eu não preciso tentar reconstruir a História adulterando-a, basta eu ler os jornais, basta eu ficar atento.

Os erros e a desonestidade é tão evidente que, como um militante e lutador para um mundo mais justo, você só precisaria frisar essas denúncias em suas ações, sem nenhuma necessidade de fazer pactos com o diabo.

Gays defendendo militares??? Putz, isso dói! Militares NUNCA estiveram ao lado de gays, lésbicas, nunca. Exceto para matá-los ou açoitá-los. Exceto para negar qualquer reclamação vinda da população LGBT, para ameaçar e intimidar. Outro dia, num desses lugares virtuais, vi gay defendendo que "os militares, em 1964, vieram para apaziguar a sociedade…" Reparem no termo : apaziguar…

De 1978 até 1980 minha casa foi uma espécie de sede não oficial do Grupo Somos de Libertação Homossexual, que foi o primeiro grupo de luta dos Direitos Homossexuais no Brasil.  Depois de pouco tempo, passamos a receber ligações, ameaçados no telefone, havia uma viatura  da polícia militar constantemente em frente à casa; os editores do Jornal "Lampião da Esquina", que seria a primeira publicação séria e alternativa para homossexuais, foram todos presos e depois processados, reuniões com mais de três pessoas eram proibidas. Bombas eram colocadas em bancas de jornais do Rio, São Paulo e de Brasília, por terem "ousado" vender o Lampião e outros jornais alternativos. E foram colocadas por reconhecidas organizações de Direita, Elas assinavam seus atos de terror…

Vou contar aqui apenas o que acontecia com os gays e lésbicas e também com as travestis, em ações provocadas pela Polícia Militar, pela Direita que os "gays de direita" hoje defendem. Não era nada fácil ser gay na época da ditadura militar. Se fôssemos pegos nos cinemões da época, sem grana para o achaque e a chantagem, éramos levados para passar uma noite nas delegacias, lavando latrina. Vários corpos apareceram boiando no lago do Parque do Ibirapuera, vestidos com lingerie feminina.

A gente sabia que eram os militares que matavam e , numa triste piada, vestiam os gays, antes da desova. Se descobrissem algum gay no Exército, a expulsão era imediata e sumária, com o indivíduo tendo suas medalhas arrancadas, num ato público, sim, público, de humilhação. Não havia onde recorrer. Tive um amigo que foi pego transando com outro dentro de um quartel e, além de surrado e expulso, ligaram para os pais dele, contando que ele era gay. O delegado da Polícia Militar Wilson Richetti invadia a rua Marquês de Itú , reduto gay , e a boate que lá existia, a Homo Sapiens, prendia e surrava quem conseguisse pegar.

As travestis eram arrastadas pelos cabelos, recebiam cacetadas nas pernas e esse delegado – com o aval da ditadura de direita – tinha um especial prazer em colocar os seios das travestis numa gaveta de um móvel e fechar essa gaveta com toda a força, esmagando-os. Eu poderia falar aqui dos horrores que também aconteciam com não gays, mas deixa eu me concentrar nesse estupor de "gays de direita". Sim, a Esquerda nunca esteve no nosso lado. Mas, sinto dizer que a Direita também não.

Assassinatos eram consentidos, vergonha suprema, quem mandou ser viado? Richetti perseguiu também as lésbicas, invadindo seus bares e boates, uma ou duas noites na delegacia, alguns tapas na cara e chutes na vagina até sangrar, ameaças de estupro, algumas concretizada, existia a cultura que, se é sapatão "é por que não levou um bom banho de pica"…  isso seria "apaziguar"?

No meu romantismo, queria acreditar que a homossexualidade, devido à triste experiência da exclusão, poderia trazer maior lucidez, questionamentos e transgressão saudável. Não conformismos, não pactos com o que temos de pior no mundo. Seria ótimo que soubessem denunciar o discurso manjado e sufocante, mentiroso, da Esquerda sem validar o discurso da Direita, igualmente vilipendiador.

Os LGBT’s poderiam, realmente, serem coloridos, não vermelho ou branco, apenas… O paradoxal é não perceberem, inclusive, que se a Direita tivesse vencido e os militares no poder, hoje existiriam esses mesmos blogs, sites e comunidades dos "gays de direita"? 

Não dá para você querer os 78 direitos que nos é, hoje, negados (segundo recente e importante estudo e pesquisa do grupo de defesa da cidadania LGBT Leões do Norte, de Pernambuco ) e ser de Direita ao mesmo tempo, já que alguns desses Direitos ferem cabalmente a ideologia direitista. Sim, como também ferem a ideologia esquerdista.

A Direita, hoje, seria "menos pior" que a esquerda petista, se atingisse o poder? Devemos votar no "menos pior"? É legal a censura, não poder falar o que se pensa? Ou vão negar, também, que houve censura?

O problema é um só: ser homossexual incomoda, incomoda sempre. Enganam-se quem pensa que num outro sistema de governo estaríamos melhores. Não somos bem vindos por quem está no poder; não somos bem vistos por que está no poder. Provavelmente, nunca seremos, somos minoria. Por mais incluídos que estejamos e independente do sistema ou ideologia de governo, a marginalidade sempre estará por perto, como uma sombra.

Portanto, cabe a nós, LGBT, inovar, não repetir chavões ou Eros do passado, não reproduzir comportamentos que já não deram certo, não mentir em nosso benefício, são frágeis os benefícios conquistados através da mentira.

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