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Gays e evangélicos: causas em comum

A princípio parece delírio a constatação de causas em comum entre LGBTs e evangélicos no Brasil. Mas o que a imaginação não foi capaz de arquitetar, o fez o nosso querido e popular presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 Lula passará para a História do Brasil como o Presidente da República cujo primeiro diploma foi exatamente o diploma de Presidente do Brasil. Quem não se lembra da emocionante cena?! Também ficará conhecido como o "Presidente do PAC" e do "Bolsa Família", que, se não foi idéia genuína sua (tem os que defendem que é a ampliação do programa social da falecida e saudosa Ruth Cardoso), certamente foi ampliado por ele alcançando milhões de brasileiros. Ah, Lula também ficará conhecido pela História como "O Cara", título concedido por Barack Obama. Contudo, Lula também ficará conhecido como o presidente do Brasil que conseguiu uma façanha inimaginável: criar causas em comum entre LGBTs e evangélicos!

Todos sabemos – e este colunista já escreveu isso bem explícito aqui mesmo – que nosso maior inimigo social são os evangélicos, principalmente, os representantes evangélicos que ocupam espaços nos três poderes constituídos do Brasil. Pois bem, isso ainda é verdade, mas "Lulinha Paz e Amor" nos deu, de presente, duas lutas em comum: primeiro, o Acordo Brasil Vaticano; segundo, a "amizade" Brasil e Irã, coroada com a visita, no próximo dia 23 de novembro de Mahmoud Ahmadinejad – presidente do Irã – ao Brasil.

O Acordo Brasil Vaticano (que alguns preferem chamar de "Concordata") foi assinado em 2008, submetido à Câmara dos Deputados – e aprovado em agosto. O tratado bilateral (isso significa que não pode ocorrer quebra do acordo unilateralmente), possui vinte artigos, que você pode ler aqui. O Acordo institui o ensino religioso nas escolas públicas, isenções fiscais para a já riquíssima Igreja Católica e imunidade desta em questões trabalhistas. Isso não é tudo! Pasmem: os bens culturais da Igreja Católica serão mantidos com recursos financeiros do Estado Brasileiro! Isso mesmo, o meu e o teu imposto empregado na manutenção de sítios eclesiásticos como templos, bibliotecas, conventos e acervos!

Representantes da Igreja Evangélica no Brasil gritaram – e alto – contra tal Acordo, afirmando a inconstitucionalidade deste. Praticamente todas as denominações evangélicas, pastores, bispos e instituições "paraeclesiásticas" ligadas às igrejas emitiram notas à imprensa lamentando o Acordo e pedindo ao Congresso Nacional que não aprovem o documento. Foi incrível ler, ver e ouvir pastores famosos que lutam cada vez mais contra os LGBTs e suas demandas no Congresso Nacional, lembrarem, como nós fazemos há anos aos nossos representantes congressistas, que "o Brasil é um Estado Laico!". É muito interessante constatar que quando os interessam, eles se lembram da laicidade do Estado!

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) quando da visita do Papa Bento XVI ao Brasil em 2007, tornou pública uma carta cujo título é "Por um Estado Laico". Contudo, não tomei conhecimento de uma carta aberta à imprensa ou pronunciamento da ABGLT sobre o Acordo Brasil Vaticano até o presente momento. Seja como for, a carta publicada na ocasião da visita papal, diz claramente que a bandeira da ABGLT é a do Estado Laico. Ironia da história: evangélicos, que tanto clamam às Escrituras Cristãs no Congresso Nacional para obstruir – com sucesso – nossas lutas finalmente têm algo em comum com os LGBTs!

Será que temos aqui um início de um diálogo em torno de temas relevantes para as duas comunidades até aqui, inimigas sociais?

Mas existe mais!

No filme documentário "Jihad do Amor" (2007), tomamos conhecimento do sofrimento que é ser gay no Oriente Médio. Um dos casos que o filme narra, é o de quatro gays iranianos fogem do país e pedem asilo político no Canadá. Aqui mesmo no A Capa já foi publicado uma imagem que fala mais que "zilhões" de palavras: gays iranianos enforcados. Pois é o presidente deste país que nosso querido "Lulinha Paz e Amor" receberá no próximo dia 23 de novembro!

Mahmoud Ahmadinejad é mundialmente conhecido como homofóbico, anticristão, antissemita, antidemocrático e um monte de outras "qualidades" nada louváveis. São suas declarações como: "Não existe gays no Irã" (claro, ele manda matar ou expulsa do país); "O Holocausto é ficção"; "Israel tem que ser varrido do mapa" e outras "pérolas" nojentas.

A visita de Mahmoud Ahmadinejad está sendo vista como uma tentativa do Lula de firmar o papel do Brasil nas relações internacionais. Contudo, EUA e outros países veem com preocupação o estreitamento de laços entre Brasil e o presidente do Irã. Já são muitas as manifestações de repúdio à visita deste homem ao Brasil por parte de ONGs LGBTs, instituições religiosas judaicas e cristãs, pois Mahmoud Ahmadinejad também é conhecido como perseguidor de cristãos em seu país.

 Na última terça-feira, 3/11, a colunista da Folha de SP, Mônica Bergamo, especulou sobre a dificuldade encontrada pela comunidade judaica, organizadora de um protesto contra a visita do presidente iraniano, de juntar no mesmo "palanque" LGBTs e evangélicos. É fato que temos causas em comum pelas quais lutar, mas será que o faremos lado a lado? Será que os evangélicos irã querer diálogo conosco?

Fico imaginando como seria importante pelo menos o início de um diálogo entre LGBTs e evangélicos; penso que eles precisam enxergar que lutando contra os projetos que visam à cidadania plena de LGBTs e que eles tanto trabalham contra, ferem, como o Acordo Brasil Vaticano, a laicidade do Estado. Penso que eles podem e devem enxergar que assim como cristãos são mortos em países como o Irã, de matriz fundamentalista, LGBTs brasileiros também são mortos aqui por conta de uma homofobia cristã disseminada por eles mesmos.

Contudo, quanto mais penso neste diálogo entre evangélicos e LGBTs, me vem à memória a velha canção: "Sonho meu… Sonho meu…"

* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro – uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.

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