Entende-se por gênero o conjunto de normas, valores, costumes e práticas através das quais a diferença entre homens e mulheres é culturalmente significada e hierarquizada. A palavra surgiu como uma forma de diferenciar as diferenças culturais e sociais entre homens e mulheres. Mas esta clássica conceituação tem reforçado as diferenças percebidas entre os sexos e, por sua vez, os sexos biologizados, como se ao nascer com pênis ou vaginas, nos classificasse como homens e mulheres, respectivamente.
Mas no ano em que comemoramos os 100 anos de Simone Beauvoir, parece que sua célebre frase, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, é ainda a dificuldade de entendimento na construção de gênero na sociedade.
Desta forma, as diferenças percebidas entre ser “homem” e ser “mulher” tem reforçado as diferenças sociais e conseqüentemente as relações que por ela se dão, como as relações de poder, que têm inviabilizado historicamente a eqüidade social.
Com isso, a I Conferência Nacional de Políticas Públicas GLBT tem um enorme desafio: garantir a eqüidade de gênero para além do regimento e dos textos-bases, efetivamente na aplicação de políticas públicas onde mulheres, sejam lésbicas, bissexuais e mulheres transexuais sejam contempladas.
Vários fatores na nossa sociedade demarcam a hierarquização e exclusão social das mulheres. Podemos observar essas marcas da exclusão social, na linguagem que é masculino-dominante em todas as bases da sociedade, na escola, no governo e na família. Tal modelo é opressor e se reflete em muitas situações do cotidiano que faz com que as mesmas situações reforçem ainda mais as relações de poder, reafirmado o masculino dominante e interferindo diretamente na formulação de políticas públicas.
Portanto, transversalizar gênero para planejar políticas públicas é aspecto fundamental na construção da conferência e é nesta lógica que este texto vem ajudar, pois não é possível transversalisar gênero somente dividindo a conferência em 50% de gênero feminino e masculino, mas é preciso avançar ainda mais, pois dividir representatividade não é igualar direitos numa sociedade onde historicamente as mulheres sempre foram excluídas socialmente, é preciso eqüidade de gênero e nesta lógica que pretendemos nos representar na conferência.
Ademais, políticas públicas neste país, quando contempladas, são feitas para as mulheres e não sob a ótica de gênero, o que é diferente de políticas públicas para as mulheres. É preciso sair da lógica da mulher-mãe-família, para as relações sociais, colocá-la em situação de igualdade em espaços de poder, de decisão, o que inevitavelmente causam as diferenças de gênero, geram as relações de poder e hierarquiza a sociedade.
Por fim, o desafio de transversalizar gênero nas políticas públicas, resultado da conferência, se dará somente se as discussões colocarem, homens e mulheres, nas mesmas dimensões sociais e de vida, dar paridade nas decisões de poder, bem como fortalecer mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais na secretaria especial de políticas para as mulheres. Ademais, empoderar as mulheres, todas as mulheres, é um grande desafio e assim sendo, ainda dentro das políticas públicas, é preciso pensar em políticas públicas de gênero e gerar políticas afirmativas para todas nós mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais.
* Irina Bacci é ativista do movimento GLBT, coordenadora geral do coletivo de feministas lésbicas e da INOVA Famílias GLTTB