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“Grande imprensa ainda não sabe lidar com pautas gays”, diz jornalista Irineu Ramos

O jornalista Irineu Ramos, 52, estuda desde 2003 sobre sexualidade e gênero na mídia. Em sua tese de mestrado, o pesquisador fez uma análise do telejornalismo na cobertura da 11ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2007, concluindo que, das 48 reportagens sobre o evento, mais de 30 tinham uma abordagem que em nada favoreciam os homossexuais.

Após a última Parada Gay, realizada no domingo na avenida Paulista, voltou-se a se perguntar: "A cobertura dos jornais e emissoras de TV foi correta ou sensacionalista?" Se de um lado o dever da mídia é retratar o que é real, do outro esquece de ampliar o debate, ignorando que não existe apenas uma versão dos fatos.

Para comentar sobre a abordagem dos veículos de comunicação após a última Parada Gay, o site A Capa conversou com Ramos, que foi categórico em afirmar: "A grande imprensa não se permite ir um pouco mais a fundo nas questões envolvendo a homossexualidade". Confira a seguir:

Como você analisa a cobertura da grande imprensa sobre a Parada Gay este ano?
Como nos anos anteriores a mídia se prendeu em questões concretas, como o aumento nas vendas no comércio, lotação de hotéis, violência e nada mais. Há uma dificuldade significativa da grande imprensa em abordar as questões subjetivas das sexualidades. A grande imprensa reproduz um discurso heterocentrado e não deixa nenhum espaço para as diferenças de gênero.

Por que você acredita que a maioria das notícias sobre a Parada é negativa?
Porque a grande imprensa não se permite ir um pouco mais a fundo nas questões envolvendo a homossexualidade. Ou ela (a imprensa) fala do comércio e da violência ou não sabe o que abordar. O mundo subjetivo não está no horizonte da mídia. Para ter uma ideia, ontem recebi dois e-mails de amigos (um de Fortaleza e outro de Lisboa) que comentaram da violência na Parada de São Paulo, com explosão de bombas e tudo mais. Ora, esta foi a Parada mais tranquila do ponto de vista de violência, segundo a Polícia Militar. Mas a mídia deu destaque à bomba atirada de um prédio no Centro. A grande imprensa poderia pegar o gancho da bomba e explorar a questão da homofobia, com se forma isso no indivíduo, o que está por trás desta agressão, a consequência disso nas pessoas vítimas de homofobia etc. Mas não, restrigiu tudo a uma questão policial.

Como então as redações deveriam agir para fortalecer uma imagem positiva da manifestação?
Eu acho que as redações deveriam discutir internamente temas como sexualidade, direitos humanos, filosofia (em especial, Michel Foucault), relações de poder, afeto e muitas outras coisas. A partir daí formular suas pautas também de forma subjetiva. Há notícias que necessitam de objetividade, mas isso não é geral. Como a questão envolvendo a homossexualidade é permeada pelo preconceito, então é necessário tomar muito mais cuidado com o tratamento da notícia. Hoje, sinceramente, o gay paulistano é visto como uma carteira a ser saqueada. E nada mais.
As redações funcionam como uma engrenagem industrial. Não há tempo para reflexão. O repórter tem que produzir a matéria num determinado tempo e partir pra outra. Dane-se a consequência disso para a sociedade. O jornalista também é uma vítima.

Como tem sido a abordagem da grande imprensa sobre a temática homossexual nos últimos anos?
As matérias (no geral) estão sempre ligadas ao comércio, às ocorrências policiais, ao potencial de consumo turístico e outros aspectos que são confortáveis para uma visão heterocentrada do mundo.  É preciso ousar e descobrir novas formas de escrever matérias em que as narrativas saiam desse conceito heterocentrado e se esparrame pelas bordas, pelas margens. A riqueza do universo gay está na margem e não no centro de um discurso.

Em sua tese de mestrado, você pesquisou sobre a imagem do gay na mídia. Pode me falar um pouco sobre ela?
Fiz uma análise do telejornalismo na cobertura da Parada do Orgulho Gay de 2007. Naquele ano a parada foi notícia (de uma forma ou de outra) 48 vezes. Destas, mais de 30 tinham abordagem que em nada favoreciam o universo gay. Falavam do comércio, do poder de compra, da chegada de turistas, da violência, dos roubos etc. As restantes eram apenas informativas. Ou seja: matérias falando sobre a mudança do trânsito na área do desfile, como ir para a Parada com segurança e coisas desse tipo. Somente uma matéria deixou o gay falar. Foi uma do repórter Caco Barcelos, no Fantástico daquele domingo.

Nessa reportagem foram mostrados um casal de lésbicas do MST, um casal de cabeleireiros que adotou 4 crianças e uma transexual militar. Com essa abordagem fica claro que o gay está longe de ser compreendido pelos meios de comunicação. Os veículos de comunicação capturam e aprisionam a imagem do gay, sem chances para este se rebelar.
 
A revista Época, por exemplo, tem inserido pautas gays com certa frequência. Como você analisa essa postura da revista e acredita que ela é suficiente para debater sobre o assunto?
A Época tem feito matérias muito interessantes sobre o tema. Acho que está num caminho legal. Mas é preciso mais. É preciso deixar o gay falar e não apenas enfocar o sensacionalismo. Essas abordagens têm apenas a função de vender revista.

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