A mulher vai ao médico faz o exame e o doutor detecta que o seu filho é um “menino”. A partir deste momento toda uma identidade começa a ser construída: a profissão que vai seguir, o nome, as compras de roupas em tons que não remetam ao feminino ou ao gênero contrário daquele que foi detectado pelo instrumento medicinal. Toda uma opressão mascarada de identidade já nasce a partir daquela consulta.
Esta é a primeira fase do que a socióloga Berenice Bento chama de “heteroterrorismo”. A segunda começa quando o corpo irrompe no mundo e todos aplaudem o seu choro, que podemos desconfiar ser de tristeza, triste por que já deve imaginar o que vem pela frente. Pois bem, esta criança que possui um pênis e logo deve ser encarada e formatada enquanto macho e heterossexual devera passar por uma série de testes e comprovações para que não restem dúvidas quanto a sua virilidade.
Todo um texto cultural – normativo é ensinado a este jovem garoto, mas um texto que não lhe dá alternativas, lhe impõe regras opressivas. Por todos os lados, dentro e fora de casa, este jovem receberá códigos que dizem respeito ao estilo comportamental que deram o nome (identidade) de heterossexualidade, ou seja, a matriz heterossexual o cerca por todos os lados: desenhos, brinquedos, escola, mãe e pai, sexualidade, roupa e esportes que deve praticar.
Se de repente este jovem do gênero masculino dá indícios de certa rebeldia e não quer brincar de Rambo, mas de Barbie, ele está perdido. Aí começa a terceira fase do “heteroterrorismo”, que é a opressão da identidade viril masculina. Se o garoto não corresponder aos códigos masculinizantes da matriz heteronormativa está perdido e a exclusão e opressão são os únicos caminhos que o aguardam.
Por conta desse fosso criado pela matriz em questão surgiram também às políticas de valorização das outras identidades, aquelas que vivem na margem (ainda vivemos no espaço abjeto, não se enganem) e que podemos chamar de políticas afirmativas. Mas, estas políticas não vieram para transformar, mas sim para criar e reforçar outras identidades, estas também repressivas: homossexual e bissexual. Estes códigos ainda correspondem à matriz heteronormativa, pois se pautam pelo sexo penetrativo e pelo passivo-ativo/ masculino-feminino/ procriação.
Portanto vivemos sob a tríade identitária e repressora: heterossexual – homossexual – bissexual. Dentro desta lógica heteronormativa, onde reina a opressão pela obrigação de seguir uma identidade, não há escapatória. Ansiedade e neurose é o que resta dentro desta conta. É necessário que as identidades venham abaixo. É preciso que se pergunte: realmente precisamos de uma identidade? E se precisamos, não temos o direito de criar uma sem que precisemos corresponder aos dispositivos medicinais, culturais e religiosos? Até que ponto as políticas afirmativas tem utilidade e não acabam por reforçar uma repressão que tem outro nome? O que significa o nome que nos é dado?
O nome, assim com o corpo, está repleto de signos que carregam dispositivos criados. Se você é “Thiago”, uma série de características lhe são atribuídas, se é Rodrigo, se é João, e por aí vai. Esta matemática nos deixa claro que as identidade não passam de criações para reprimir o verdadeiro sujeito. Aquele que nasce sem códigos e cortes culturais. Enquanto vivermos cercados por identidades, sejam elas políticas, regionais/ geográficas, sexuais, étnicas etc, teremos que sempre corresponder a algo. Também é preciso construir uma sociedade livre dos dispositivos e classificação medicinais. Onde tudo começa e termina.
O que é uma identidade?