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Império faz retroceder conquistas de Felix e Amor à Vida

Nas mãos de Aguinaldo Silva, Felix voltaria para o armário.
 
De repente a novela “Amor à Vida” de Walcyr Carrasco pegou todos de sobressalto, e fez avanços inimagináveis na discussão sobre a homossexualidade. No passado, novelistas acostumados a repetir o mantra “a sociedade não está preparada” recusavam o direito dos LGBTs de se ver representados no mais assistido produto da TV. Mas depois do beijo de Felix e Niko nada mais podia ser como antes.
 
Muito se cobrou de Manoel Carlos e ele achou um jeito “Leblon” de incluir a nova demanda, com mulheres lindas, magras, chiques e… lésbicas, e a sociedade não chiou. 
Então chegou a vez de Aguinaldo Silva e sua “Império”. 
 
Doido por uma boa briga, principalmente com a comunidade LGBT via redes sociais, o autor pernambucano que já havia dito que beijo gay só “seria permitido na casa dele e não na tv” causou espanto ao anunciar que sua novela teria cinco personagens gays e vários beijos: “Não apenas um, e no último capitulo”, disse ele, claramente provocando seu desafeto Walcyr Carrasco e enchendo de esperanças quem acredita que as novelas da Rede Globo podem ajudar no combate à homofobia.
 
A trama começou e os cinco personagens estavam lá. Eram eles, o cerimonialista casado e no armário Claudio Bolgari (vivido pelo pegador máster das telenovelas José Mayer, escolha que marcava uma polemica por si só e que muito ajudou a divulgação da novela) e seu amante Léo (interpretado pelo gatíssimo Klebber Toledo). Xana Summer (Ailton Graça), uma travesti barraqueira, cabeleireira que sabia se defender, fazia shows de drag e era uma típica figura de periferia. Um fofoqueiro de blog, afetado e maldoso de nome Theo Pereira (Paulo Betti) que teria um caso tórrido com o quinto personagem: Robertão (Romulo Neto) declarado gay-for-pay, que podia contar com o apoio dos pais liberais e ambiciosos.
 

No começo, Xana morria de tesão por Erivaldo; Théo por Robertão
 
Nos primeiros capítulos Robertão recusou ficar com uma loira na praia, deixando claro que seu interesse não era por mulheres e traçou um plano de “conquistar” o endinheirado Théo. Léo suspirava de paixão, assim como seu amante mais velho Claudio, que lhe fazia declarações de amor eterno (sem antes pagar suas contas e deixar dinheiro no bolso do jeans). Xana morria de tesão por Erivaldo (Rafael Losso) e até quase agarrou o cozinheiro Vicente (Rafael Cardoso) num sonho. 
 
Mas a confusão e a falta de tato do autor em escrever cenas com esta temática começaram a empurrar os personagens de volta rumo ao armário. E as expectativas dos que torciam pela discussão ampla sobre os anseios da homossexualidade e suas pluralidades de tipos, foram aos poucos virando apenas mais uma decepção.
 
Começaram os problemas, ou como disse o próprio Aguinaldo “os desvios da trama”: 
 
Robertão depois de vários strip-teases muito bem pagos por Théo, de crises de ciúmes e medo de perder a atenção do blogueiro para um outro michê, conheceu a jornalista Érica (Letícia Birkheuer) e simplesmente esqueceu sua antiga sexualidade. Além de procurar emprego, virou um bom caráter, insinuando que foi “consertado” pelo amor hétero. 
 
A cabeleireira que era chamada de “A Xana” e que babava nos bofes de Santa Tereza, nunca mais passou nem perto de Erivaldo, começou do nada a ser citada no masculino, passou a sentir ciúmes de manicure Naná (Viviane Araújo) e (pasmem!) disse ser apenas um crossdresser que não gosta de homens. Ou seja, reproduzindo aquele velho pensamento de que gays afeminados são bobos da corte, disponíveis para ouvir e fazer rir os héteros com vidas próprias e profundas. Programa-se que a cover de Danna Summer formará com Naná uma família, com direito a filho adotivo, gravidez nos minutos finais do folhetim e sexo intenso.
 
Pelo mesmo caminho entrou o maldoso Théo Pereira, que morria de desejo por Robertão, mas agora apenas tenta boicotar sua carreira de modelo, está longe de ter um romance na trama, vive sozinho, sem família, sem amigos, sem exercer sua sexualidade, recluso e quase sempre num apartamento escuro e cheio de velharias, uma ameaça (velada) as bichas que “ousam” envelhecer.
 
Theo também será julgado, e morrerá na novela, requentando o tão batido gancho do “Quem Matou…?” e o público dirá “bem feito”!
 
 
Considerado o grande casal, Claudio e Léo não se beijaram 

 

Mas, nada frustra mais do que o destino dado até agora ao casal Claudio e Léo, até por sua supervalorização na mídia antes do folhetim começar, e das expectativas criadas e propagadas em cima dos personagens: O divulgadíssimo beijo que aconteceria na apresentação dos personagens virou um forte abraço. O “segundo beijo” apareceu de costas e através de um visor de uma maquina fotográfica. Dois outros foram supostamente gravados e não foram ao ar. Aguinaldo reclamou de censura, mas a direção da Globo nunca confirmou que estas cenas existiram.

Os amantes se separaram sem nenhum motivo forte pra tanto amor do início, o jovem galã foi assediado por um cineasta famoso, mostrando mais uma vez que o dinheiro “move” o mundo gay e caiu em depressão. Incrivelmente nunca mais encontrou um mísero emprego e quando achou foi enxotado por ter tido o caso-gay exposto na net. Sua punição por ter vivido este amor é nos próximos capítulos virar mendigo, lembrando classicamente o rumo dos personagens gays da década de 70 e 80 na teledramaturgia e no cinema, onde morriam tragicamente ou sofriam o pão-que-diabo-amassou até acharem uma salvadora que os tirasse do calvário, no caso da trama das 9, corre-se o risco de ser Amanda (Adriana Birolli) que já o aceita bissexual e até já fizeram sexo num encontro furtivo. Se Léo não “virar” hétero, talvez vire um exemplo de que ser gay não “vale muito a pena”.
 

Com a pior expectativa possível, as comunidades LGBTs temem que com uma simples novela, escrita por um homossexual assumido, façamos o caminho de volta ao armário, percamos o que Walcyr Carrasco conquistou no seio da família tradicional que assiste e vive as novelas e que acharca seus entes gays, e se torne o maior desserviço dos últimos tempos na teledramaturgia do país, mostrando que quantidade além de não ser garantia de qualidade, é ainda mais chances de errar feio. 
 
Podemos dizer que se Amor à Vida fosse escrita por Aguinaldo Silva, o Carneirinho se casaria no final com Amarillys (Danielle Winits) e César (Antônio Fagundes) é que conduziria a cadeira de rodas de Felix. E entraria a palavra fim, ficando tudo como está.

Valter Vanir é jornalista e crítico de cinema, TV e teatro. 

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